Friday, August 25, 2006

Antropologia - kit de Campo


As descobertas de uma professora disfarçada de caloura universitária

The New York Times
16:05 23/08

Diana Jean Schemo

FLAGSTAFF, Arizona - Por que será que os estudantes universitários parecem alérgicos aos debates intelectuais? Por que todos parecem sair correndo no instante em que a aula acaba? Eles namoram? O cachorro realmente comeu suas lições de casa?
Leia abaixo o texto
Todos esses julgamentos disfarçados de perguntas começaram a intrigar Cathy A. Small, professora de Antropologia. Ela percebeu que já havia ouvido histórias semelhantes na sua época de estudante, 30 anos atrás.
Mas ao invés de ceder à alienação que suas questões sugeriram, Small, uma mulher compacta e energética, foi procurar respostas em seu kit antropológico. Usando o pseudônimo de Rebekah Nathan, ela se matriculou como caloura na Northern Arizona University no ano de 2002, determinada a aplicar as mesmas técnicas que utilizava quando estudou as sociedades tribais, a fim de entender melhor os 18 mil alunos no campus em que leciona.
"Usei minha alienação como trampolim para este projeto", disse. "Não era apenas observar os alunos, e sim me tornar um deles e saber de onde vinham".
Small enxergava seu estudo como um "livro bem pequeno", porém "My Freshman Year: What a Professor Learned by Becoming a Student" (Meu Primeiro Ano: O que uma Professora Aprendeu ao se Tornar Aluna) já foi reimpresso cinco vezes. Uma edição em papel jornal, lançada pela Penguin Books nesse mês, esgotou suas 14.500 cópias em uma semana.
"Existe uma corda que arrebentou", disse Small durante um jantar, onde comeu canja tailandesa, com cogumelos e leite de coco, uma mistura que traz lembranças de seus anos no Pacífico Sul, onde morou em Tonga. "As pessoas estão dispostas a discutirem esse assunto".
Seu livro mostoru os alunos de hoje "não como elites, não tão preparados" para a faculdade como as gerações anteriores, e entupidos de dívidas. "Eles são mais práticos em sua educação", declarou.
De perto, ela descobriu que os alunos podem ser intelectualmente engajados, porém, ao invés de se engajarem em discussões políticas e filosóficas, tendem a conversar mais sobre como completaram tarefas específicas, muitas vezes com o mínimo esforço. Eles enxergam a socialização no campus como premissa crucial, e os desafios acadêmicos e intelectuais como questões meramente secundárias em sua educação.
"Acredito que as pessoas estão mais engajadas do que parecem, mas existe uma pressão para mostrarem desinteresse no lado acadêmico da vida", disse Small.
Os alunos também parecem indiferentes à valores como diversidade.
Ainda que a universidade seja uma "experiência limiar" - um local de potencial criativo enorme, onde novas identidades podem ser forjadas e destinos transformados - ela encontrou uma ênfase penetrante no conformismo e no cinismo.
Small, uma nativa do Brooklyn que pratica tanto o judaísmo quanto a meditação budista, fez seu doutorado sobre o impacto da imigração nas pessoas de Tonga.
Para conduzir a pesquisa, ela morou na ilha por três anos, participando de uma cooperativa de mulheres que faziam tecidos usando a cortiça de uma árvore chamada tapa. Um grande pedaço desse trabalho fica pendurado em sua casa, visível da sala no andar de baixo.
Escrever seu livro não foi a primeira vez em que Small usou sua experiência antropológica numa situação da vida moderna.
Em 1993, ela criou um catálogo para ajudar tribos nativas americanas a comercializarem seus artesanatos sem intermediários.
Em "My Freshman Year", Small chamou a universidade de AnyU, descrevendo-a como uma universidade pública de porte médio, não particularmente seletiva. Um repórter do The New York Sun juntou as peças e dicas em seu livro e revelou sua identidade no ano passado.
Inicialmente, ela se recusou a confirmar que fosse a real autora do livro, preocupada em violar a promessa de anonimato que havia dado a seus objetos de estudo. Porém, eventualmente, ela decidiu que se esconder colocaria em risco a privacidade de alguns estudantes, especialmente após um jornalista ameaçar pesquisar arquivos escolares sob o Ato de Liberdade de Informação.
O que ajudou também foi o fato do presidente da universidade, John D. Haeger, ter elogiado publicamente seu trabalho, e ter usado o livro como moldura para fazer mudanças no alojamento e vida acadêmica dos estudantes.
Agora, Small dá palestras para grupos por todo o país, sobre as implicações de suas descobertas, para colegas em universidades, especialmente sobre como promover a diversidade.
"Estou representando a angústia que a minha própria geração sofre ao lidar com os estudantes nos dias de hoje", disse.
A pesquisa de campo para seu trabalho significou deixar sua confortável casa e viver num alojamento de estudantes, matricular-se num curso e tentar fazer amigos. Significou abandonar sua vaga de docente no estacionamento da faculdade e mover-se pelo campus a pé ou de ônibus. Mas, principalmente, significou perder seu status como professora, e tentar enxergar o mundo pelos olhos de seus alunos.
Inicialmente, as perspectivas eram assustadoras. Em sua primeira noite de orientação, Smalls fez como seus alunos, que fizeram as malas e foram dormir com seus pais em quartos de hotel pela cidade. Ela foi para casa.
"Eu tipo, entrei em pânico", disse, imitando o jeito de falar dos estudantes. "É muito confuso se sentir um peixe fora d'água".
Porém ela voltou no dia seguinte, recolhendo impressões sobre assuntos como decoração dos alojamentos até a vida social dos estudantes.
Estudos nacionais mostraram que os estudantes universitários de hoje passam menos tempo estudando do que as gerações anteriores, porém, também passam menos tempo em atividades sociais. Então, o que andam fazendo afinal?
Small descobriu que muitos jovens em seu campus lutavam para equilibrar as exigências acadêmicas com longas horas de trabalho fora da faculdade. Ela também observou que a universidade fragmentou o corpo acadêmico ao oferecer uma grande gama de opções nos muitos aspectos da vida dos estudantes. Tudo, desde as cargas horárias até os arranjos nos dormitórios podem ser adaptados para preencher as necessidades individuais de casa aluno, porém os resultados reduziram as chances dos calouros socializarem com pessoas diferentes.
Durante sua pesquisa, os outros estudantes assumiram que a amigável mulher com cachos grisalhos deveria estar na pior: 50 e poucos anos, talvez divorciada, tomando aulas porque decidiu fazer algo por si própria. Porém, evitavam fazer perguntas.
"Eles não sabiam o que era, mas tinham certeza que minha história era triste", disse rindo.

Postagem: André Veríssimo, Presidente, KoaH