Sunday, July 09, 2006

O outro, esse desconhecido

André Veríssimo*
Presidente KoaH

Em Platão na República, se descreve o percurso, em momentos progressivos, de um prisioneiro que se liberta das correntes que o prendem ao fundo de uma caverna, e caminha em direcção à luz. No trajecto, ele toma consciência de que o que antes via e tomava como real eram apenas sombras do verdadeiro mundo existente e, sobretudo, toma consciência de si e da sua condição anterior de ignorância. Este trajecto não é percorrido sem percalços e sofrimentos. Reflexão sobre a educação, o texto é também uma reflexão sobre a filosofia, pois o prisioneiro simboliza o filósofo que se liberta do mundo sensível e do engano das aparências e caminha em direcção à verdade.

Pelo seu carácter alegórico, o texto é propício a diversas interpretações e, sobretudo, permite leituras em diversos níveis. Platão explica o significado da alegoria. Esta é a ocasião para explorar as metáforas da educação e da filosofia presentes no texto. Platão aí fala do filósofo como aquele que rompe com o senso comum, que vê além das aparências e, também, que vai além do mundo sensível.

É necessário que tenhamos em mente as interpretações já clássicas da Alegoria, crenças comuns e imediatas e, sobretudo, de autoconsciência. Pois se o prisioneiro aprende coisas novas, aprende a distinguir o falso e o verdadeiro, também aprende, o que é mais importante, algo sobre si mesmo, sobre sua própria condição de ignorância. A maior sombra na caverna é a falsa convicção daquelas pessoas que lá estão de que aquela é a única realidade possível.

Nos nossos tempos de um relativismo e subjectivismo, é comum a ideia de que estamos inexoravelmente na caverna e que a saída dela é impossível; também podem compreender a caverna como “a verdade de cada um”. É necessário levar a sério este ponto de vista, porém, consideramos que é importante opor a ela outra ideia: a de que a busca da verdade, mesmo se problemática, é tarefa de todos e o exercício crítico um dever essencial do ser humano. Depois disso, Sócrates inventou ainda outra comparação para esclarecer algumas questões sobre a importância da educação dos filósofos para serem os governantes da cidade justa.


O “outro” nasce na descrição fenomenológica dos seres humanos como o ser-no-mundo e inclui sempre o facto de que o ser-no-mundo implica estar no mundo com o outro. O ser-no-mundo nunca está sozinho. Entretanto, o papel de outro para o Dasein (Ser-aí) é ambivalente.Numa mão a vida do homem no mundo é constituído com a interacção e na outra é consequentemente uma parte central do si-mesmo. Este interesse fenomenológico no outro ressoa fortemente na filosofia francesa do 20º século. O outro pode ter significados diferentes, entretanto, e consequentemente autores diferentes tentaram diferenciar a terminologia usando os termos “l’autre”, “autrui”, ou “l’Autre”.

Muito momentaneamente, podemos distinguir entre o outro como uma outra pessoa, o outro como ser transcendente que é reflectido noutros seres humanos, e o completamente outro que é inacessível a nós, tal como a morte. Todos os três conceitos são próximos e relacionados. De acordo com Levinas, que teve uma influência forte em Ricœur, o outro como outra pessoa, é um manifestação do totalmente outro, do transcendente (Levinas, 1988). Esta ideia do transcendente, do completamente outro, pode mesmo deslocar a filosofia para perto das perguntas de Deus (Lavaud, 1982). Em Soi-même comme un autre (Ricœur, 1990) (traduzido aproximadamente como: “Si mesmo como outro”) desenvolve o relacionamento entre o si-mesmo e o outro e persegue a conexão ética. O si-mesmo de Ricœur pode ser conceitualizado como estando na terra-média entre uma concepção cartesiana e a anti-cartesiana radical (Dauenhauer, 2002).

Isso significa que o si-mesmo não é nem um agente livre-flutuando completamente independente como ser-no-mundo nem é totalmente sujeitado por influências externas. No entanto, há o facto que o outro é não somente radical desconhecido e incognoscível, ou é também similar a mim. O outro é alguém, que, como eu, pode ver-se ele mesmo ou ela mesma como um agente, que permita um relacionamento recíproco (Ricœur, 1990). Por outro, a sofística a argumentação, a subtileza retórica, o ateísmo de Sócrates (Aristófanes: 1984: v. 1470- 1475) ou a reemergência do deus Tornado e não já Zeus, de Fidípides e a elocução filo-socrática ou querefontina. (Aristófanes, 1984: v. 1330) como do Sócrates verborreico e contrário a Hermes e sumamente impiedoso (Aristófanes, 1984: vv. 1420-1430 e 1475-1490).

A educação é sempre uma relação de pessoas. No ponto de vista ontogenético parece claro devermos ressaltar que é válido que o indivíduo assimile, faça por si, cresça, amadureça, destaque enfim a auto-educação porém como motivação intrínseca do seu crescimento. A educação é sempre um processo de poder social implícito. Aí mesmo se produz uma relação social. Daí resulta que a postura antropológica sobre a socialidade humana influa muito sobre a forma teórico-prática de conceber a educação. A educação do carácter é em termos aristotélicos algo conatural ao ser humano porque é natural à sua sociabilidade, e entende-se neste plano que só a relação do homem com os homens possa coactivamente formar a razão de ser da sociedade como algo profundamente dialógico que é como se sabe o cerne do enquadramento irónico e maiêutico no socratismo: se essa relação é qualificada pode o homem chegar a ser um bom homem, Logos, ethos, e phronesis, politeia e dianoetica. A lógica a ética, a sabedoria, a política e o conhecimento noésico ou noemático.

Assim se cria uma natureza segunda num plano social que cria a dinâmica da responsabilidade intelectual e moral na explicação dos actos comuns praticados e das regras aceites ou interditas numa sociedade. O respeito pela natureza é assim e desde a origem um dos planos de atenção moral que Sócrates e bem mais perto de nós Edgar Morin, Michel Maffesoli, Emmanuel Levinas virão a desenvolver agora dentro duma concepção dos princípios epistemológicos da complexidade, opondo-se à totalidade ensimesmada da tecnociência neopositivista, biologista ou antropologista e aos seus dogmas.