Friday, July 21, 2006
O nosso direito ao Direito
Paulo Ferreira da Cunha
A Universidade tem responsabilidades sociais. Não pode furtar-se a ensinar cadeiras estruturantes, sem as quais os respectivos licenciados jamais seriam aptos para as respectivas profissões. Um Engenheiro, um Químico, um Físico, um Informático conceber-se-ão sem as Matemáticas? Será admissível um Médico que não tenha estudado Anatomia? Um pintor ou um arquitecto poderão formar-se sem nenhumas luzes de Desenho? E se um Filósofo nunca houver estudado Hermenêutica? Ou um Linguista não souber Gramática? E um Filólogo desconhecer a Teoria e História da Literatura?
Receamos que um cirurgião sem Anatomia nos matasse no primeiro corte de bisturi, um engenheiro sem Matemática provocasse curto-circuitos, fizesse explodir fábricas, deixasse cair pontes, um arquitecto mal formado, qual Numeróbis do Astérix, enviesasse casas, e que os Artistas Plásticos e Humanistas, desprovidos dos seus respectivos saberes essenciais, não passassem de bluff.
Pois o processo de Bolonha, tão excelente no papel como nas intenções, está a ter como resultado uma hobbesiana luta de todos contra todos. É preciso cortar cadeiras, para fabricar mini-cursos, normalmente de 3 anos, a que se chamará licenciaturas… Em casa em que não há pão, debatem-se ideias e contam-se espingardas…Como os demais, o Curso de Direito diz respeito a todos nós. É de todos nós. Sempre algum jurista poderá vir a decidir um dia do nosso dinheiro, do nosso bom-nome, da nossa liberdade, e até da nossa vida. Podemos estar desatentos a que juristas virão a ser formados?
A Licenciatura em Direito foi outrora social e simbolicamente estruturante, produzindo diplomados tão cultos e polivalentes que de entre eles se recrutavam, além do pessoal jurídico, muitos dos nossos melhores políticos, não poucos escritores, excelentes professores, bem sucedidos gestores de empresas, etc. Arrisca-se, porém, a vir a formar pretensos técnicos de leis, conhecedores de “apenas de algum Direito” (lembrando um antigo texto de Boaventura Sousa Santos).
Com a mesma Bolonha, os nossos vizinhos não vão nesse sentido. Quando um Francisco Puy considera que “o Direito Administrativo é já mais de meio Direito”, e sabendo-se que num Estado de Direito democrático, todo o Direito se subordina à Constituição, pretender-se que devamos ensinar aos futuros juristas pouco mais que o Código de Justiniano, traduzido da tradução alemã, seria uma catástrofe. Ninguém o pensará fazer, esperemos.
Para já, porém, toca a cortar.
Todas as disciplinas fundantes do Direito se encontram ameaçadas por essa navalha que não elimina o inútil, mas o vital e formativo: as armas de longo alcance dos juristas. Deixando-os míopes na lei em vigor, que logo mudará.
No cepo já estão as cadeiras fundamentais ou humanísticas: históricas, sociológicas, politológicas, criminológicas, antropológicas, e afins.
Restaria a Filosofia do Direito, a grande síntese? É a principal atacada. Em alguns casos, quer-se a sua cabeça, qual troféu. Outros querem comprimi-la num ridículo semestre, antecâmara da guilhotina.
Ora a Filosofia do Direito, com o Constitucional, o Penal e as Obrigações são os quatro pilares da Casa do Direito. E, de todos, a Filosofia do Direito (englobando a Metodologia) é a pedra angular, porque a todos problematiza e fundamenta. A Filosofia do Direito é o lugar da Justiça no Direito. Não do direito simplesmente decorado e obedecido, mas do Direito pensado. É o laboratório que, analisando o Direito que temos, permite pensar um novo Direito mais justo.
Cursos de Direito sem (ou com meia) Filosofia do Direito seriam uma caricatura, um retrocesso imenso. Defraudando estudantes e professores que os escolheram a contar com a sua composição natural. Ao menos os positivistas tiveram a delicadeza de acabar com a cadeira esperando que morresse o seu último Lente. A extinção positivista não durou: ainda estudante do 3.º ano, Paulo Merêa lançou o clamor pelo regresso da cadeira. E conseguiu.
De novo os estudantes mostrarão o caminho? Suspeitam já que o Direito sem a sua Filosofia é mero treino de “burocratas da coacção”, “verbos de aluguer”. Na fachada das Matemáticas na Universidade de Coimbra, quem souber grego pode ler: “Não entre aqui quem não souber geometria”. Deveríamos gravar nos frontões das Faculdades de Direito: Daqui não saia quem não souber pensar o Direito!
E ainda mais fundo, nos nossos corações: sobre o Direito não mande quem não tiver amor à reflexão e à Justiça. E bom senso.
A Universidade tem responsabilidades sociais. Não pode furtar-se a ensinar cadeiras estruturantes, sem as quais os respectivos licenciados jamais seriam aptos para as respectivas profissões. Um Engenheiro, um Químico, um Físico, um Informático conceber-se-ão sem as Matemáticas? Será admissível um Médico que não tenha estudado Anatomia? Um pintor ou um arquitecto poderão formar-se sem nenhumas luzes de Desenho? E se um Filósofo nunca houver estudado Hermenêutica? Ou um Linguista não souber Gramática? E um Filólogo desconhecer a Teoria e História da Literatura?
Receamos que um cirurgião sem Anatomia nos matasse no primeiro corte de bisturi, um engenheiro sem Matemática provocasse curto-circuitos, fizesse explodir fábricas, deixasse cair pontes, um arquitecto mal formado, qual Numeróbis do Astérix, enviesasse casas, e que os Artistas Plásticos e Humanistas, desprovidos dos seus respectivos saberes essenciais, não passassem de bluff.
Pois o processo de Bolonha, tão excelente no papel como nas intenções, está a ter como resultado uma hobbesiana luta de todos contra todos. É preciso cortar cadeiras, para fabricar mini-cursos, normalmente de 3 anos, a que se chamará licenciaturas… Em casa em que não há pão, debatem-se ideias e contam-se espingardas…Como os demais, o Curso de Direito diz respeito a todos nós. É de todos nós. Sempre algum jurista poderá vir a decidir um dia do nosso dinheiro, do nosso bom-nome, da nossa liberdade, e até da nossa vida. Podemos estar desatentos a que juristas virão a ser formados?
A Licenciatura em Direito foi outrora social e simbolicamente estruturante, produzindo diplomados tão cultos e polivalentes que de entre eles se recrutavam, além do pessoal jurídico, muitos dos nossos melhores políticos, não poucos escritores, excelentes professores, bem sucedidos gestores de empresas, etc. Arrisca-se, porém, a vir a formar pretensos técnicos de leis, conhecedores de “apenas de algum Direito” (lembrando um antigo texto de Boaventura Sousa Santos).
Com a mesma Bolonha, os nossos vizinhos não vão nesse sentido. Quando um Francisco Puy considera que “o Direito Administrativo é já mais de meio Direito”, e sabendo-se que num Estado de Direito democrático, todo o Direito se subordina à Constituição, pretender-se que devamos ensinar aos futuros juristas pouco mais que o Código de Justiniano, traduzido da tradução alemã, seria uma catástrofe. Ninguém o pensará fazer, esperemos.
Para já, porém, toca a cortar.
Todas as disciplinas fundantes do Direito se encontram ameaçadas por essa navalha que não elimina o inútil, mas o vital e formativo: as armas de longo alcance dos juristas. Deixando-os míopes na lei em vigor, que logo mudará.
No cepo já estão as cadeiras fundamentais ou humanísticas: históricas, sociológicas, politológicas, criminológicas, antropológicas, e afins.
Restaria a Filosofia do Direito, a grande síntese? É a principal atacada. Em alguns casos, quer-se a sua cabeça, qual troféu. Outros querem comprimi-la num ridículo semestre, antecâmara da guilhotina.
Ora a Filosofia do Direito, com o Constitucional, o Penal e as Obrigações são os quatro pilares da Casa do Direito. E, de todos, a Filosofia do Direito (englobando a Metodologia) é a pedra angular, porque a todos problematiza e fundamenta. A Filosofia do Direito é o lugar da Justiça no Direito. Não do direito simplesmente decorado e obedecido, mas do Direito pensado. É o laboratório que, analisando o Direito que temos, permite pensar um novo Direito mais justo.
Cursos de Direito sem (ou com meia) Filosofia do Direito seriam uma caricatura, um retrocesso imenso. Defraudando estudantes e professores que os escolheram a contar com a sua composição natural. Ao menos os positivistas tiveram a delicadeza de acabar com a cadeira esperando que morresse o seu último Lente. A extinção positivista não durou: ainda estudante do 3.º ano, Paulo Merêa lançou o clamor pelo regresso da cadeira. E conseguiu.
De novo os estudantes mostrarão o caminho? Suspeitam já que o Direito sem a sua Filosofia é mero treino de “burocratas da coacção”, “verbos de aluguer”. Na fachada das Matemáticas na Universidade de Coimbra, quem souber grego pode ler: “Não entre aqui quem não souber geometria”. Deveríamos gravar nos frontões das Faculdades de Direito: Daqui não saia quem não souber pensar o Direito!
E ainda mais fundo, nos nossos corações: sobre o Direito não mande quem não tiver amor à reflexão e à Justiça. E bom senso.