Sunday, July 09, 2006

A comunicação e a palavra – um destino do homem?

André Veríssimo*
Presidente KOaH

1. A sociedade da comunicação está a tornar-se uma realidade. O seu surgimento ocorre no meio de uma época de mudanças sociais de alta velocidade, a nível mundial, presentes em todos os cantos do globo.

Paul Valery advertiu-nos dos abismos que não cessam de ameaçar o homem: a ordem e a desordem. Na luta prolongada para alcançar um digno meio entre ambas as catástrofes, a comunicação – como veículo universal de intercâmbio entre os habitantes do nosso planeta — joga um papel de fundamental importância: a de por a casa em ordem, pelo menos relativamente, para que essa casa seja habitada, vivida, com conforto.

Lamentavelmente, em prolongados períodos históricos, caracterizam-se por ignorar a sábia advertência de Heidegger quanto aos pastores da palavra (poetas e pensadores) os quais são não só simplesmente ignorados mas simples e fatalmente banidos da face da terra ou silenciados de modo grave para que a comunicação humana não adquira senão uma babélica confusão tendente a envolver nela os homens e as suas condutas (Ver v.g. textos de Vítor Direito, Manuel António Pina, Barroso da Fonte, Vasco Pulido Valente).

Ordenar a morada heideggeriana sem descuidar a sua calidez, sem abandonar um gesto ético que originado na palavra mesma continue nos actos que se lhe coadunam, implica um trabalho ciclópico que deverá assumir-se até ao fim dos tempos, pois o homem finito aspira à infinitude de certa perfeição diacrónica.

Se o homem mora de certa forma na fala e as palavras são de todos, isso poderá requerer não uma selecção, não uma plêiade de pensadores e poetas, mas toda uma humanidade capaz de superar os seus próprios perigos e de comunicarmo-nos em códigos transparentes e facilmente interpretáveis.

A linguagem é a forma mais ampla que o homem utiliza para expressar-se. Tal asserção não deixa mérito a outras formas parcializadas de expressão e comunicação. Por imperativo contrário, abre-lhes um amplo horizonte que, em definitivo, sempre está aparentado com a palavra, quer na crítica quer na hermenêutica.O espectro amplíssimo da matéria que se estende desde a medievalidade (nascimento das gramáticas) até Chomsky e Todorov, passando pelo regenerador da estrutura da linguagem que foi Ferdinand de Saussure, partiu de uma limitada aspiração de ordem e chegou nos nossos dias a formulações que permitiriam a um computador criar poesia, dada a sua factura à mente e ao espírito do poeta.

Como sempre os extremos tocam o homem que não cessa de se debater entre eles, pois é óbvio destacar que esse ensaio electrónico de linguagem poética – intento de comunicação para libertar o homem – prescinde dele e do seu discurso.


2. Sistemas e redes sociais de comunicação ligadas a personalidades, organizações e comunidades activas e interactivas operam em novas estruturas, que moldam transformações nas actividades humanas nos mundos pessoal, público e do trabalho. Esses sistemas estão desde já ligados, inseparavelmente, a um desenvolvimento tecnológico de ambientes de informação e comunicação até bem pouco tempo inimaginável. A primeira consideração põe em evidência um limite da teoria da indústria da cultura que resulta do que podemos considerar um equívoco histórico. Esta teoria teve a sua génese, como é sabido, nos anos 40 e as marcas particulares dessa época impregnam-na profundamente. A sociedade civil mundial ou global está ainda em formação e abrange uma grande variedade de sociedades contemporâneas, a leste e a oeste, pobres e ricas, centrais e periféricas, desenvolvidas e subdesenvolvidas, dependentes e agregadas.

Apesar das diferenças existentes entre essas sociedades quanto aos seus níveis sociais, económicos, políticos, tecnológicos, culturais, é possível distinguir nelas estruturas, relações e processos semelhantes. Entre os traços característicos das sociedades contemporâneas destacamos: o desenvolvimento tecnológico, a ocidentalização da cultura, a desterritorialização e o declínio das metrópoles, o enfraquecimento dos Estados-nação - “elos da sociedade global”, segundo Octavio Ianni (1992: 96).

Sem comunicação, a informação efectiva, aquela que realmente “faz a diferença” fica encoberta, indistinguível, apenas armazenada em memória psíquica e arquivos mediáticos. Ela é apenas informação potencial, e não chega a ser significativa, não se torna real. A realidade social não tem outra maneira de se expressar a não ser em forma de comunicação. Vivemos numa sociedade que não só oferece e consome informação, mas que sobretudo a processa do lado da recepção, muitas vezes no mesmo instante que a recebe.

Os ambientes de informação disponíveis para os sistemas sociais, a nível global, permitem também um novo nível de (auto) observação científica da sociedade. Esta pode-se apoiar em observadores informados, que reflectem as suas informações não apenas individualmente, mas utilizam-se, paralelamente, de sistemas de informação relacionados a ambientes de comunicação virtuais, em tempo real. Assim, ao ser processada, codificada e descodificada, a informação é recriada, reinventada, num processo social de comunicação, apoiado por ambientes de media técnica e de aprendizagem humana. O termo “sociedade da comunicação” denomina, portanto, um sistema social global, onde a informação é tratada nos media, formas e formatos de comunicação, que a reproduzem numa escala que vai “desde o cristal até a fumaça”(ver Atlan, 1979).

Mais do que um “factor de produção”, comunicação opera a base dos macros e microssistemas sociais. Levy (1996, p. 41). “A sociedade de informação é uma mentira. Deu-se a entender que, após haver se centrado na agricultura, depois na indústria (...), a economia seria dirigida agora pelo tratamento da informação. Mas, como descobrem, à própria custa, inúmeros empregados e executivos, nada se automatiza tão bem e tão rápido quanto o tratamento ou a transmissão da informação”. (Apud, Gottfried Stockinger Para uma Teoria Sociológica da Comunicação, 2001)