Sunday, July 09, 2006

Anti-semitismo ainda persiste na França 100 anos após o Caso Dreyfus



The New York Times
21:30 07/07
Alan Riding

PARIS – Cem anos atrás, neste mês de julho, o capitão Alfred Dreyfus, um judeu francês e oficial do exército que havia passado cinco anos na Ilha do Diabo por alta traição e adicionais sete anos tentando limpar seu nome, foi absolvido na Suprema Corte Francesa. Poucos dias depois ele foi reinstalado no exército, promovido a chefe de esquadrão, ou major, e recebeu a Legião de Honra.

O Caso Dreyfus, o qual profundamente dividiu a França e fez acontecer uma viciosa onda de anti-semitismo, estava finalmente acabado. Ou não?

Na prática, muitos anti-Dreyfus – nacionalistas, oficiais do exército, católicos fervorosos e variados invejosos – se recusaram a aceitar a inocência de Dreyfus. O diário católico La Croix lamentou “a reintegração do traidor ao exército”.

Dreyfus deixou o exército em 1907, voltou durante a Primeira Guerra Mundial, e então levou uma justa vida sem acontecimentos especiais até sua morte em 1935. Mesmo assim, apenas cinco anos depois, durante a ocupação alemã na França, o anti-semitismo tornou-se política oficial enquanto o colaborador governo Vichy ajudou a deportar 76 mil judeus, incluindo a avó de Dreyfus, para campos de morte nazistas.

Agora, no centenário da libertação de Dreyfus, o caso novamente está sendo relembrado aqui.

Quinze livros relacionados foram publicados ou reimpressos. A Suprema Corte realizou um seminário com um dia de duração celebrando sua decisão de 2 de julho 1906, de rejeitar um escândalo da corte militar no veredito de culpado de 1899. E o Museu de Arte e História do Judaísmo, em Paris, está apresentando um show, “Alfred Dreyfus: A Luta por Justiça”, a partir do dia primeiro de outubro.

Mesmo assim, enquanto este aniversário uma vez mais enfatiza as lições de história, é também perturbavelmente típico: na visão de muitos judeus franceses, o anti-semitismo novamente se levanta por aqui.

Desta vez não é uma ressurreição do ódio que há muito deu cicatrizes na história européia. Não é aquele da Idade Média, do Caso Dreyfus, da Segunda Guerra Mundial ou até mesmo a cínica redução do Holocausto pelo líder extremista de direita Jean-Marie Le Pen nos anos 80. Ao invés disso, uma nova forma de anti-semitismo está agora alarmando os 600 mil judeus da França.

Por todas as opiniões, filhos de imigrantes árabes na França cada vez mais vêem judeus como seus inimigos. Esse anti-semitismo tem suas raízes na hostilidade direcionada a Israel datada de 1948, mas tem sido agravada pelo contínuo conflito israelense-palestino e até mesmo de tensões pós-11/09 entre o Ocidente e o Islã.

Ao mesmo tempo, alguns adolescentes desempregados de descendência árabe e africana têm simplesmente feito de judeus o bode expiatório para a raiva perpetrada por eles na sociedade francesa.

Ataques e ameaças a judeus e propriedades judaicas têm aumentado desde 2000, mas o incidente mais chocante foi o seqüestro e assassinato de um judeu francês de 23 anos, Ilan Halimi, em fevereiro. No que pareceu ser a transferência de preconceitos antigos a um novo grupo social, o líder da gangue de seqüestro disse que Halimi havia sido escolhido porque judeus são ricos.

De certa forma, então, o Caso Dreyfus de hoje é o caso de Halimi, e ambos ilustram quão facilmente uma sociedade civilizada pode escorregar em comportamento não-civilizado.

Em 1984, quando Dreyfus foi acusado de espionagem a favor da Alemanha, a França ainda estava cuidando dos ferimentos de sua derrota na Guerra Franco-Prussiana de 1870-71. Ela também ficou alarmada por um recém unido crescimento de poder da Alemanha. A descoberta de uma carta indicando que os segredos militares franceses estavam sendo vazados para a Alemanha desencadeou uma onda de paranóia e histeria.

Dreyfus, o único judeu no alto comando do exército, foi quase imediatamente admitido como culpado, embora a prova fosse frágil e alguns oficiais do exército, mais tarde, comprovadamente cometeram perjúrio ao testemunharem contra ele.

Uma corte marcial o sentenciou a prisão na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Antes de sair, ele foi arrancado de sua posição – sua espada foi simbolicamente quebrada – em uma cerimônia na Ecole Militaire. “Morte a Judeus” tornou-se um clamor comum.

Dreyfus sempre insistiu em sua inocência, e apoio por ele cresceu entre os intelectuais, mais famosamente Emile Zola, que publicou uma carta aberta ao presidente Félix Faure em 1898 sob o título “J´Accuse” (Eu Acuso), denunciando “o abominável Caso Dreyfus”. Por isso, Zola foi sentenciado a um ano de prisão por caluniar o exército; ao invés disso, ele foi para o exílio na Grã-Bretanha.

Novas provas foram descobertas incriminando outro oficial, mas ele foi solto por uma corte marcial. Dreyfus foi, apesar de tudo, permitido a retornar para a França em 1899 para apresentar seu caso perante a Suprema Corte. Isso exigiu uma nova corte marcial, e Dreyfus foi, novamente, declarado culpado. Tal foi o clamor entre seus apoiadores que o presidente Emile Loubet o perdoou poucos dias depois.

Mas uma boa pitada de opinião pública ainda o considerava culpado. Quando foi ao funeral de Zola em 1902, ele foi ferido em uma tentativa de assassinato. Finalmente, em 1903, um novo governo de centro-esquerda ordenou que a Suprema Corte revisse as descobertas da corte marcial de 1899. Em 1906, Dreyfus foi finalmente inocentado.

Evidentemente, é mais fácil celebrar o centenário desse triunfo de justiça de 1906 do que era projetar atenção aos aniversários anteriores de momentos menos encorajadores no caso. Por exemplo, em 1994, 100 após Dreyfus ter sido acusado, um historiador do exército francês jogou dúvida sobre a inocência de Dreyfus ao descrevê-lo como “a tese” agora geralmente aceita por historiadores. E em 1999, o centenário da segunda corte marcial, nenhum mea culpa foi ouvido do exército.

Uma novidade na exibição no Museu de Arte e História do Judaísmo é a ênfase do show sobre o próprio Dreyfus. Frequentemente retratado como um observador impassível de sua própria tragédia, ele é apresentado aqui como um fervoroso campeão de sua inocência.

Esta também é a tese de uma nova biografia, “Alfred Dreyfus: A Honra de um Patriota”, de Vicent Duclert, um historiador francês que organizou a exibição com Anne Helene Hoog, uma curadora do museu.

Além disso, no que pareceu como uma corajosa tentativa de fechar o Caso Dreyfus, Duclert agora propôs que os restos de Dreyfus sejam colocados juntos aos de Zola no Panteão, o lugar final de descanso dos heróis da República francesa. Qualquer decisão teria que ser feita pelo presidente Jacques Chirac, o qual, como se sabe, decidiu, ao invés disso, presidir uma cerimônia especial no Ecole Militaire no aniversário dia 12 de julho.

Em qualquer caso, Jean-Louis Levy, neto de Dreyfus, sente que o momento ainda não está maduro para os restos.

“Muitas pessoas visitam sua tumba no cemitério em Montparnasse”, disse Levy em uma entrevista a La Tribune, de Genebra. “É simples e modesta, assim como ele. Ele está, sem dúvida, melhor lá do que no Panteão com Zola”.

Levy, então, ofereceu um motivo mais perturbador para se opor ao movimento. “Eu temo que isso possa acordar o anti-semitismo”, disse ele.