Iluminismo e casa
Andre Moshe Pereira,
Pres. Kehillah Or Ahayim
Segundo SA o século XVIII marca mudanças fundamentais no judaísmo europeu…
Alguns sectores judeus especialmente da Europa Oriental especialmente populares submergir-se-ão numa liturgia e numa observância de forte influência mística e messiânica.
Central à mística do judaísmo é a questão do exílio. Desde a expulsão do paraíso, passando pelo exílio no Egipto, exílio na Babilónia, exílio romano e tantos outros, este conceito passou a representar o afastamento absoluto da natureza ideal. O fim do exílio tornou-se assaz representativo de tempos utópicos, messiânicos, onde se daria um retorno à própria casa, ao próprio ser, à mesma natureza.
O exílio é um deslocamento que, apesar de ser menos definitivo que uma invasão ou destruição, é certamente muito mais doloroso. O exilado compreende onde se encontra o “centro”, sente-se deslocado e alimenta esperanças constantes de retorno. A sua ansiedade é constante, a sua poesia e liturgia falam de volta, a metanarrativa de um reencontro como nos dias de antigamente.
O rabino Shlomo Carlebach (Ha-Mezamer) diz-nos que “muitos têm endereços, mas poucos têm verdadeiramente lares”. Para a maioria de nós, judeus, os nossos corpos são endereços e poucos dentre nós se sentem em casa com eles. Sem percebermos, deslocamo-nos, afastamo-nos do nosso corpo e vivemos o saudosismo de tempos de outrora em que estávamos em casa (ou pelo menos no seu quintal). O maior problema é que um retorno a algo no sentido cabalístico, a um físico que não somos fatalmente leva-nos a nunca chegar a casa mesmo que os nossos corpos se modifiquem, pois assim apenas mudamos de endereço. E estar em Portugal ou na Ucrânia é estar no exílio. E eu que o experimentei com a minha família quando estive, faz pouco tempo, em Yerushalayim, onde também se encontram outros membros da nossa comunidade Or Ahayim. NB diz-nos assim que: o patinho feio nunca deixou de se sentir feio até que percebesse que era na realidade um cisne e, portanto, começasse a reconhecer o sentido do verdadeiro caminho de retorno à sua “casa-corpo”.
Voltemos à história do judaísmo no Galuth: durante o século XVII, os judeus, tinham atravessado uma difícil existência e dois acontecimentos transformaram a sua existência quase de modo definitivo. Um deles, foi a invasão de hordas cossacas capitaneadas por Bogdan Chmelnitsky. E outros no surgimento do falso messias Sabatai Tzevi e o seu sucessor Jacob Franck.
A resposta perante tanta dor e desolação foi a aparição da figura providencial e notável de Baal Shem Tov, o hassidismo e a emergência da esperança e o sentido da vida para aqueles que haviam perdido tudo e que não lhes restava quase nada do melhor da tradição judaica. Na Europa entretanto, havia surgido para os fins do século XVII e nos princípios do século XVIII o Iluminismo, um movimento filosófico que provocou a separação entre o racionalismo e a religiosidade. Como era a Europa desse tempo? Em 1772 a aldeia de Ragachou tornou-se parte do Império Russo como cidade de província em Mogilev (em bielorusso Magileu) região (1777-96) e desde 1802, em 1796-1802 do governo Bielorusso.
Desde 1777 – Ragachou era um centro de alguma importância. As autoridades russas mandaram construir uma fortaleza em Ragachou, segundo David Fox. Mas não conseguiram realizar este projecto. A fortaleza de Ragachou nunca saiu do papel. De acordo com uma descrição de um viajante russo em 1777 – Ragachou era uma aldeia comum com casas de lavradores e tavernas judias (em bielorusso – korchma). Ele escrevera: “ Ragachou é uma aldeia suja com igreja Uniata, a Velha Basílica (Católica), uma igreja ortodoxa e uma sinagoga.”. Em 1797 Ragachou não tinha nenhum homem de negócios cristão e sim 52 homens de negócios judeus. A posição geográfica de Ragachou teve um papel crucial no estabelecimento da sua posição económica. Os principais artigos da economia de Ragachou eram a madeira, o peixe e a indústria de navegação, o artesanato e o comércio (especialmente o comércio no Deniepre entre Magileu e Kiev). Em 1812 a França de Napoleão começou a guerra com a Rússia de Alexandre I. Durante esta guerra em 1812 não muito longe de Ragachou, as tropas russas do general Raevsky tiveram uma batalha com os inimigos franceses.
As principais comunidades judaicas de Rogachou em 1847 eram, ainda segundo David Fox:
População judaica: Ragachou 1.305 Zhlobin 1.597 Karpilauka 183 Tikhinichi 569 Sretin 630 Sverzhen 405 Sherstin 210 Chachersk 1.006 Garadzets 434 Korma 1.175.
Toda a População do Ducado e respectiva População judaica: Ragachou 9.038 - 5.048 Garadzets 1.261 - 512 Zhalezniki 1.123 - 120 Zhlobin 3.356 - 1.760 Karpilauka 2.174 - 1.027 Korma 1.534 - 1.328 Sverzhen 1.056 - 635 Sviatilavichi 717 - 174 Streshin 1.949 - 1.179 Siapozhatki 539 - 53 Tikhinichi 1.313 - 687 Chachersk 2.316 - 1.700
Em 1897 a região de Ragachou tinha 224000 habitantes dos quais 21880 eram judeus.
As principais ocupações da judiaria de Ragachou eram a curtição pele, o fio de corda e a indústria de tijolos. Em 1880 Ragachou tinha uma indústria de cordame, cerveja, sabão, dois entrepostos de tijolos, moinhos de água e eólicos, uma doca no Ducado. A comunidade judaica tinha muito movimento comercial e obviamente a comunidade judaica de Ragachou tomava uma parte activa nisso. Eram famosas as três feiras de Ragachou (três feiras por ano). Um famoso geógrafo V.P. Semionov segundo (The history of Belarussian Jewry. Alex Friedman's personal web-project) no seu livro "Rossija Polnoe geographiceskoe opisanie nashego Otechestva. – Rússia. A descrição completa da nossa Pátria, Sankt-Petersburg, 1905): Ragachou é um povoado muito bonançoso com duas igrejas ortodoxas, 7 sinagogas, 36 indústrias de plantação com 173 trabalhadores. O local tem 11800 habitantes (7 140 dos quais judeus).
Voltemos a Mendelsohn: por meados do século XVIII um judeu de uma enorme cultura, influenciado pela filosofia do Iluminismo, deu origem com a sua obra ao movimento da Haskalah, a ilustração judaica, e o surgimento de novas formas de observância religiosa como foram o Judaísmo Reformista e o Movimento Conservador (este mesmo que nós ajudámos a fundar desde o primeiro minuto, em Lisboa a Comunidade Masorti Beit Israel que não obstante faz uma depuração estalinista, uma amputação genealógica no seu historial na Wikipedia). Esta personalidade notável, exerceu uma influência muito forte não só dentro do judaísmo mas também, através dos seus descendentes na história e na cultura europeia. Moisés Mendelsohn, foi um judeu nascido no Estado de Anhalt-Dessau no que hoje em dia é a Alemanha em 1729. A sua família era muito pobre, o seu pai era um soifer da Torah pelo que pese a viver encobertos na pobreza, nos estudos e no conhecimento eram importantes para eles. O Rabino David Fraenkel, de Dessau foi quem lhe deu uma educação tradicional judaica, aos catorze anos Moisés foi para Berlim, para a Yeshiva do Rabino Fraenkel quando este se mudou, como rabino para a capital prussiana. Em pouco tempo converteu-se num brilhante e prometedor discípulo nos estudos talmúdicos e rabínicos. Quando Moisés conheceu o Rabino Samson Rafael Hirsch, fez um grande esforço para poder receber o seu ensinamento, entre eles um dos mais preciosos, relacionar a lógica com as ciências religiosas do judaísmo. Segundo Moisés, esta era a riqueza fundamental do judaísmo, porque um Colégio Legal, a Torá, é produto da revelação divina e a base da existência do povo judeu. Mendelsohn reuniu aos seus estudos de temas judaicos, o alemão, o italiano, o inglês e o francês e além disso as línguas clássicas, o grego e o latim. Dedicou-se também ao estudo da matemática, da lógica e da filosofia.
Por volta de 1750 começou a trabalhar como mestre na casa de Isaac Bernhard, o proprietário de uma fábrica de seda, ao mesmo passo que travava amizade com o filósofo alemão Immanuel Kant e com Gotthold Lessing. Mendelsohn ascendeu no seu trabalho convertendo-se no contabilista de I. Bernhard para depois chegar a ser seu sócio. Dedicou-se ao comércio com o qual prosperou porém paralelamente continuou com a sua tarefa intelectual, especialmente com a escrita. Durante o último período da sua vida, Mendelsohn foi um fervoroso devoto da emancipação, civil e intelectual, da guética comunidade judia da Europa. Seriam porventura os dados mais inatos do sionismo a nascer. A condição de judeus, desde os séculos antecedentes, com muito poucas excepções, havia sido horrenda. Os judeus tinham sido forçados a viver esquálidos e sobrepovoados guetos, impondo-se-lhes taxas especiais, incluindo impostos pela celebração do Shabat e pelos serviços religiosos; foram apartados das tarefas em que eram peritos como do comércio e da maioria das profissões. Impunha-se assim o retorno a “casa”.