Monday, July 16, 2007
O jovem herdeiro foi para o Foreign Office
Teresa de Sousa
Publico
Faz hoje 42 anos e, desde David Owen, em 1977, que ninguém tão jovem chefiava o Foreign Office de Londres. Visto por muita gente como o herdeiro natural de Tony Blair, os blairistas ainda quiseram empurrá-lo para uma disputa com Gordon Brown pela liderança do New Labour, que ele próprio recusou. Na realidade, David Miliband é tudo menos um clone de Blair. Pensa pela própria cabeça e diz-se que bastante bem. É mais racional e menos intuitivo do que o seu mestre político.
Tem uma visão do futuro do centro-esquerda que não é a mera reprodução do blairismo mas o produto de uma geração mais nova, liberta da história atribulada da transformação do velho no novo Labour. Quando Tony Blair chegou à liderança do partido ele tinha apenas 29 anos, o que quer dizer que também não teve tempo de adquirir os hábitos ideológicos do velho trabalhismo.
A imprensa britânica sublinha o seu estilo "distendido" e a sua extrema juventude. Lembra que esteve "pouco envolvido" com a decisão de invadir o Iraque. Está, pois, mais livre para criticar as suas consequências. Foram duras e foram públicas as suas críticas ao apoio incondicional do anterior primeiro-ministro a Israel durante a guerra no Líbano, no Verão passado. Os analistas também vêem nele uma inclinação um pouco mais europeísta do que a de Blair, que pode compensar a imagem mais eurocéptica do actual primeiro-ministro. Não hesitam, aliás, em considerá-lo o mais europeísta de todos os ocupantes do Foreign Office.
O facto não impede que seja um convicto defensor da aliança transatlântica e da relação especial do seu país com a América, um profundo admirador do dinamismo americano e um crítico da falta de eficácia europeia e da sua obsessiva tendência para a "introspecção institucional". Quer ver a questão do tratado europeu resolvida o mais depressa possível para que a Europa se dedique ao que, em seu entender, interessa: os resultados para os cidadãos e os desafios à escala global.
Falta-lhe, dizem alguns, a experiência directa dos Negócios Estrangeiros mas, acrescentam outros, sobra-lhe a inteligência, as ideias e a afabilidade necessárias para entrar facilmente no circuito da grande diplomacia.
Numa extensa entrevista que deu na semana passada ao Financial Times (a primeira), expôs as suas ideias sobre o que deve ser o lugar e o estatuto do Reino Unido no mundo. Algumas são blairismo do mais puro. Por exemplo, a total interdependência entre política interna e política externa que marca a era da globalização em que vivemos e a necessidade manter o seu país como uma "plataforma global " - económica, cultural e politicamente. Não como uma "grande potência", mas como "uma potência pivot".
Que a América é "a mais importante relação bilateral" do seu país, não tem a mais pequena dúvida. Mas, escreve o FT, o lugar que reserva ao Reino Unido não é o de "ponte" entre os dois lados do Atlântico. Quando lhe pediram para comparar a relação com a América com a relação com a Europa, respondeu: "Não considero a nossa relação com a União Europeia como uma relação bilateral. Somos parte da UE." O que quer dizer, por exemplo, que não vê grande problema no reforço da política externa europeia nem sequer parece opor-se à ideia de um serviço diplomático europeu (uma das questões mais delicadas na negociação do novo tratado): "Temos uma nova arquitectura de política externa, vamos ter novos sistemas e instituições (...). Temos de conseguir que funcionem". Boas notícias para a presidência portuguesa.
Entende que o combate às alterações climáticas é hoje parte integrante da política externa e tem nesta matéria ideias muito avançadas. Só falta saber de onde veio e como chegou até aqui.Nasceu a 15 de Julho de 1965, em Londres, descendente directo de refugiados judeus polacos que apanharam o último barco que atravessou a Mancha em 1940, em fuga do Holocausto. A mãe, Marion Kozak, nasceu na Polónia. O pai, Ralf Miliband, igualmente judeu de origem polaca, nasceu na Bélgica e transformou-se, no Reino Unido, num dos principais teóricos do marxismo.
Estudou em Londres num colégio que misturava os filhos da intelectualidade de esquerda com os filhos dos operários. Entrou para o Corpus Christi em Oxford para obter um first em Filosofia, Economia e Política. A única acusação séria que enfrentou até agora foi a de ter lá chegado com uma média ligeiramente abaixo da normalmente exigida. Fez um mestrado em Ciência Política no MIT.
Mas é aos Comuns, onde foi secretário da Comissão da Justiça Social, que Blair o vai buscar em 1994 para seu conselheiro político, o que faz dele um dos principais autores do manifesto eleitoral do New Labour em 1997. Segue com Blair para Downing Street para chefiar a "unidade política", onde fica até 2001. Alaister Campbell chamava-lhe o "Brains". É um intelectual com pouca disposição para os jogos políticos. Quer "políticas" e não "política". Depois de ganhar facilmente um lugar nos Comuns em 2001 (South Shields), é nomeado ministro júnior para as Escolas. Em Dezembro de 2004, passa a ministro do Gabinete (que só inclui os sénior) para as Comunidades e o Poder Local. Em 2006, é finalmente nomeado secretário do Ambiente. Brown escolhe-o para o Foreign Office.
Faz parte do "Primrose Hill Gang", um grupo de "jovens turcos" do New Labour que olham para além da época Blair-Brown. O seu irmão mais novo, Ed Miliband, igualmente deputado e igualmente ministro, trabalhou no gabinete de Brown nas Finanças. Ideologicamente, Andrew Rawnsley, do Observer, definiu-o em 2002 como estando à esquerda de Blair. "Um crente, num sentido em que Blair nunca o foi totalmente, na social-democracia continental".
É casado com Louise Shackelton, violinista na Orquestra Filarmónica de Londres e os dois adoptaram um filho nos Estados Unidos. Contrariando a sua imagem de intelectual, apenas o facto de ser um ferrenho adepto do Arsenal.
Publico
Faz hoje 42 anos e, desde David Owen, em 1977, que ninguém tão jovem chefiava o Foreign Office de Londres. Visto por muita gente como o herdeiro natural de Tony Blair, os blairistas ainda quiseram empurrá-lo para uma disputa com Gordon Brown pela liderança do New Labour, que ele próprio recusou. Na realidade, David Miliband é tudo menos um clone de Blair. Pensa pela própria cabeça e diz-se que bastante bem. É mais racional e menos intuitivo do que o seu mestre político.
Tem uma visão do futuro do centro-esquerda que não é a mera reprodução do blairismo mas o produto de uma geração mais nova, liberta da história atribulada da transformação do velho no novo Labour. Quando Tony Blair chegou à liderança do partido ele tinha apenas 29 anos, o que quer dizer que também não teve tempo de adquirir os hábitos ideológicos do velho trabalhismo.
A imprensa britânica sublinha o seu estilo "distendido" e a sua extrema juventude. Lembra que esteve "pouco envolvido" com a decisão de invadir o Iraque. Está, pois, mais livre para criticar as suas consequências. Foram duras e foram públicas as suas críticas ao apoio incondicional do anterior primeiro-ministro a Israel durante a guerra no Líbano, no Verão passado. Os analistas também vêem nele uma inclinação um pouco mais europeísta do que a de Blair, que pode compensar a imagem mais eurocéptica do actual primeiro-ministro. Não hesitam, aliás, em considerá-lo o mais europeísta de todos os ocupantes do Foreign Office.
O facto não impede que seja um convicto defensor da aliança transatlântica e da relação especial do seu país com a América, um profundo admirador do dinamismo americano e um crítico da falta de eficácia europeia e da sua obsessiva tendência para a "introspecção institucional". Quer ver a questão do tratado europeu resolvida o mais depressa possível para que a Europa se dedique ao que, em seu entender, interessa: os resultados para os cidadãos e os desafios à escala global.
Falta-lhe, dizem alguns, a experiência directa dos Negócios Estrangeiros mas, acrescentam outros, sobra-lhe a inteligência, as ideias e a afabilidade necessárias para entrar facilmente no circuito da grande diplomacia.
Numa extensa entrevista que deu na semana passada ao Financial Times (a primeira), expôs as suas ideias sobre o que deve ser o lugar e o estatuto do Reino Unido no mundo. Algumas são blairismo do mais puro. Por exemplo, a total interdependência entre política interna e política externa que marca a era da globalização em que vivemos e a necessidade manter o seu país como uma "plataforma global " - económica, cultural e politicamente. Não como uma "grande potência", mas como "uma potência pivot".
Que a América é "a mais importante relação bilateral" do seu país, não tem a mais pequena dúvida. Mas, escreve o FT, o lugar que reserva ao Reino Unido não é o de "ponte" entre os dois lados do Atlântico. Quando lhe pediram para comparar a relação com a América com a relação com a Europa, respondeu: "Não considero a nossa relação com a União Europeia como uma relação bilateral. Somos parte da UE." O que quer dizer, por exemplo, que não vê grande problema no reforço da política externa europeia nem sequer parece opor-se à ideia de um serviço diplomático europeu (uma das questões mais delicadas na negociação do novo tratado): "Temos uma nova arquitectura de política externa, vamos ter novos sistemas e instituições (...). Temos de conseguir que funcionem". Boas notícias para a presidência portuguesa.
Entende que o combate às alterações climáticas é hoje parte integrante da política externa e tem nesta matéria ideias muito avançadas. Só falta saber de onde veio e como chegou até aqui.Nasceu a 15 de Julho de 1965, em Londres, descendente directo de refugiados judeus polacos que apanharam o último barco que atravessou a Mancha em 1940, em fuga do Holocausto. A mãe, Marion Kozak, nasceu na Polónia. O pai, Ralf Miliband, igualmente judeu de origem polaca, nasceu na Bélgica e transformou-se, no Reino Unido, num dos principais teóricos do marxismo.
Estudou em Londres num colégio que misturava os filhos da intelectualidade de esquerda com os filhos dos operários. Entrou para o Corpus Christi em Oxford para obter um first em Filosofia, Economia e Política. A única acusação séria que enfrentou até agora foi a de ter lá chegado com uma média ligeiramente abaixo da normalmente exigida. Fez um mestrado em Ciência Política no MIT.
Mas é aos Comuns, onde foi secretário da Comissão da Justiça Social, que Blair o vai buscar em 1994 para seu conselheiro político, o que faz dele um dos principais autores do manifesto eleitoral do New Labour em 1997. Segue com Blair para Downing Street para chefiar a "unidade política", onde fica até 2001. Alaister Campbell chamava-lhe o "Brains". É um intelectual com pouca disposição para os jogos políticos. Quer "políticas" e não "política". Depois de ganhar facilmente um lugar nos Comuns em 2001 (South Shields), é nomeado ministro júnior para as Escolas. Em Dezembro de 2004, passa a ministro do Gabinete (que só inclui os sénior) para as Comunidades e o Poder Local. Em 2006, é finalmente nomeado secretário do Ambiente. Brown escolhe-o para o Foreign Office.
Faz parte do "Primrose Hill Gang", um grupo de "jovens turcos" do New Labour que olham para além da época Blair-Brown. O seu irmão mais novo, Ed Miliband, igualmente deputado e igualmente ministro, trabalhou no gabinete de Brown nas Finanças. Ideologicamente, Andrew Rawnsley, do Observer, definiu-o em 2002 como estando à esquerda de Blair. "Um crente, num sentido em que Blair nunca o foi totalmente, na social-democracia continental".
É casado com Louise Shackelton, violinista na Orquestra Filarmónica de Londres e os dois adoptaram um filho nos Estados Unidos. Contrariando a sua imagem de intelectual, apenas o facto de ser um ferrenho adepto do Arsenal.