Friday, June 01, 2007
A Cabala Revisitada III: a natureza humana
Andre Moshe-Pereira
Pres. Or ahayim,
Director CEIMOM
1. Um ser humano não é igual a nenhum outro. Nem mesmo igual a nenhum animal. Podemos transformar o desejo de receber só em relação a si mesmo e irradiar o desejo de compartilhar. Devemos mudar internamente o desejo. Não bastará mudar o desejo de partilha mas a essência: o que se esconde por trás das nossas acções. A ferramenta mais activa que temos para nos aproximarmos do Criador, é quando a partilha é verdadeira e colocamos a necessidade da outra pessoa à frente da nossa mesma.
Este é um nível muito profundo que redefine a natureza da nossa humanidade e nos aproxima com a natureza divina.
Para libertar o nosso desejo de compartilhar, cada acto verdadeiro deve penetrar a blindagem do nosso amor-próprio e o desejo egoísta de receber. Mas existe hoje um objectivismo ou reducionismo que converte o homem em mero objecto ou coisa anulando a intenção e a pluralidade das significações, consciência, valores e sentido.
Para superar estritamente este caminho Manuel Fernandes, um distinto psicólogo, propõe-nos que “devem-se introduzir palavras que conduzam à valorização da pessoa humana, ao crescimento, à participação, à criatividade, ao desenvolvimento, à independência, à autonomia, à liberdade, aos valores do espírito e à grandeza de alma. Temos que voltar a ler Nietzsche, Heidegger, Freud, Edgar Morin, H. Arendt, J. Habermas, a decorar os Lusíadas, a cantarolar a nona sinfonia de Beethoven, (o hino da alegria), para ver se enfraquecemos este furacão de estímulos bloqueadores, empurrados de todas as direcções, bombardeadores de imagens, pensamentos desconexos, caóticos, provenientes, a maioria das vezes, dos medíocres e de alguns meios de comunicação social, que enfraquecem a nossa capacidade de pensar e de sentir mais forte, esterilizando nossos sentimentos, tornando-nos mais ansiosos e tristes ao interiorizar, sem que nos demos conta, um mundo perverso, ignóbil, injusto, onde não vale a pena viver”. Ainda permanecem alguns conflitos entre os partidários dessa abordagem e os partidários da abordagem holista e vitalista. Estes últimos contrapunham à realidade única de uma vida material, um “espírito vital”.
Esse mundo da partilha que elaborámos acima é de tal forma verdadeiro e seguro quanto é difícil. Quem realizasse o bem sem benefício de retorno material ou recompensa celestial somente pelo próprio acto ou simples prazer estaria dentro dum modo superior da natureza humana e social. Colocar as necessidades dos outros antes e à frente das nossas eliminaria os motivos para a existência da corrupção, da fraude, do fanatismo, do ciúme e todas as outras formas de sofrimento humano. A verdadeira partilha é a verdadeira cura para os males espirituais que afligem uma parte significativa da humanidade. Porque é que apesar dos ensinamentos da filosofia, da arte e da espiritualidade e em especial da Cabala tão difícil se torna quebrar esse laço da pulsão da morte ou do amor-próprio? “O vazio existencial é a metáfora predilecta de Viktor Frankl”. E como nos prefigura Manuel Fernandes de forma profunda este conceito. Frankl, “conduzindo-nos através dos valores Criativos, onde a ideia principal está ligada ao sentido de levar a cabo os próprios projectos de vida que impliquem a arte, música, escritura, e qualquer outra actividade que exija imaginação criadora. Inclui ainda o sentido da generatividade de que fala Erikson no seu livro, Identidade, Juventude e Crise, quando se refere à preocupação das pessoas pelo bem-estar das gerações futuras. (…) Viktor Frankl apresenta também o sofrimento como uma virtude para dar sentido à existência.”
O homem é desejo segundo Freud – pulsão de vida e morte Eros e Thanathos.
Em Totem e Tabu (1913) Freud fala-nos (Vd. J. Marques dos Santos, Contribuições da psicanálise e psicologia social para as ciências da arte: Freud e Vygotsky em Discussão) de que a génese da arte não está relacionada ao ideal de representação da beleza, ao qual nos acostumamos mas, desde a inscultura rupestre até as representações contemporâneas, ela caracteriza-se comouma forma de dizer o que a civilização, no seu processo de repressão e produção da cultura, mantém “oculto”. Conclui Sigmund Freud (1913):
Apenas num único campo da nossa civilização foi mantida a omnipotência de pensamentos e esse campo é o da arte. Somente na arte acontece que um homem consumido por desejos efectua algo que se assemelha à realização desses desejos e o que faça com que um sentido lúdico produza efeitos emocionais – graças à ilusão artística – como se fosse algo real. As pessoas falam com justiça da ‘magia da arte’ e comparam os artistas com mágicos. Mas a comparação talvez seja mais significativa do que pretende ser. Não pode haver dúvida de que a arte não começou como arte por amor à arte. Ela funcionou originalmente ao serviço de impulsos que estão hoje, na sua maior parte, extintos. E entre eles, podemos suspeitar da presença de muitos instintos mágicos (p.100-101).
2. O partilhar está permeado no tecido do nosso ser todavia ela vai contra o sentido mais profundo do nosso agir quotidiano. O corpo humano é uma autodenegação da experiência radical da dádiva. Para compartilhar verdadeiramente devemos, em termos cabalísticos, de assumir um raciocínio contra-intuitivo. Devemos ir contra o desejo natural da natureza humana. Uma mãe que alimenta o seu filho poderia representar esse sentido de transcendência? Por uma lado sim, porque ela compartilha no sentido em que o alimento passa da sua mão para a boca do ser que alimenta. Ao nível emocional há os sentimentos que passam de preocupação e carinho do seu coração para a criança. Mas mais que isso temos aqui uma marca de confluência de interesses mais do que de verdadeira transcendência. A verdadeira marca do partilhar é o gerar de luz através de resistências de todo o nível. A Cabala compara a Luz do Criador com uma vela de chama suave. Como a vida. Para conseguir ver a vela, precisamos de parar e quando virmos como no nível da alma isto nos faz sentir bem, podemos parar de uma vez por todas de curto-circuitar a nossa existência. O que é mais difícil para si? Segundo David Servan-Schreiber, (Curar, Lisboa, P.D. Quixote, 2006: 202) as perguntas qeofe a que uma kosovar responde depois do desaparecimento do marido raptado pelas milícias sérvias na Guerra de 1999, que o nível mais profundo é o emocional… “não saber o que dizer aos meus filhos,(…). Eu, há muito tempo que sabia que aquilo havia de acontecer, e o meu marido e eu tínhamos falado muitas vezes sobre o assunto. Mas as crianças… O que é que posso fazer pelos meus filhos?” De novo a questão da confluência de interesses.
3. A presença do Criador manifesta-se como Luz, mas que luz é esta? Para realmente compreender a Luz temos que entender que ela não pode concorrer com a indulgência material ou prazeres transitórios; a questão é: a separação entre D-us e o homem, que todo o povo de Israel foi chamado a viver, introduziu na história das religiões a transcendência absoluta de D-us e a prova produzida como inintegrável, conforme Levinas procurou demonstrar ao longo da sua obra, onde se faz entender a distinção necessária teórica e vivencial entre a sacralidade e a santidade na palavra hebraica sem medida que é o Nome de D-us…. (Levinas, E., DMT, e Totalidade e Infinito esp.).
Pres. Or ahayim,
Director CEIMOM
1. Um ser humano não é igual a nenhum outro. Nem mesmo igual a nenhum animal. Podemos transformar o desejo de receber só em relação a si mesmo e irradiar o desejo de compartilhar. Devemos mudar internamente o desejo. Não bastará mudar o desejo de partilha mas a essência: o que se esconde por trás das nossas acções. A ferramenta mais activa que temos para nos aproximarmos do Criador, é quando a partilha é verdadeira e colocamos a necessidade da outra pessoa à frente da nossa mesma.
Este é um nível muito profundo que redefine a natureza da nossa humanidade e nos aproxima com a natureza divina.
Para libertar o nosso desejo de compartilhar, cada acto verdadeiro deve penetrar a blindagem do nosso amor-próprio e o desejo egoísta de receber. Mas existe hoje um objectivismo ou reducionismo que converte o homem em mero objecto ou coisa anulando a intenção e a pluralidade das significações, consciência, valores e sentido.
Para superar estritamente este caminho Manuel Fernandes, um distinto psicólogo, propõe-nos que “devem-se introduzir palavras que conduzam à valorização da pessoa humana, ao crescimento, à participação, à criatividade, ao desenvolvimento, à independência, à autonomia, à liberdade, aos valores do espírito e à grandeza de alma. Temos que voltar a ler Nietzsche, Heidegger, Freud, Edgar Morin, H. Arendt, J. Habermas, a decorar os Lusíadas, a cantarolar a nona sinfonia de Beethoven, (o hino da alegria), para ver se enfraquecemos este furacão de estímulos bloqueadores, empurrados de todas as direcções, bombardeadores de imagens, pensamentos desconexos, caóticos, provenientes, a maioria das vezes, dos medíocres e de alguns meios de comunicação social, que enfraquecem a nossa capacidade de pensar e de sentir mais forte, esterilizando nossos sentimentos, tornando-nos mais ansiosos e tristes ao interiorizar, sem que nos demos conta, um mundo perverso, ignóbil, injusto, onde não vale a pena viver”. Ainda permanecem alguns conflitos entre os partidários dessa abordagem e os partidários da abordagem holista e vitalista. Estes últimos contrapunham à realidade única de uma vida material, um “espírito vital”.
Esse mundo da partilha que elaborámos acima é de tal forma verdadeiro e seguro quanto é difícil. Quem realizasse o bem sem benefício de retorno material ou recompensa celestial somente pelo próprio acto ou simples prazer estaria dentro dum modo superior da natureza humana e social. Colocar as necessidades dos outros antes e à frente das nossas eliminaria os motivos para a existência da corrupção, da fraude, do fanatismo, do ciúme e todas as outras formas de sofrimento humano. A verdadeira partilha é a verdadeira cura para os males espirituais que afligem uma parte significativa da humanidade. Porque é que apesar dos ensinamentos da filosofia, da arte e da espiritualidade e em especial da Cabala tão difícil se torna quebrar esse laço da pulsão da morte ou do amor-próprio? “O vazio existencial é a metáfora predilecta de Viktor Frankl”. E como nos prefigura Manuel Fernandes de forma profunda este conceito. Frankl, “conduzindo-nos através dos valores Criativos, onde a ideia principal está ligada ao sentido de levar a cabo os próprios projectos de vida que impliquem a arte, música, escritura, e qualquer outra actividade que exija imaginação criadora. Inclui ainda o sentido da generatividade de que fala Erikson no seu livro, Identidade, Juventude e Crise, quando se refere à preocupação das pessoas pelo bem-estar das gerações futuras. (…) Viktor Frankl apresenta também o sofrimento como uma virtude para dar sentido à existência.”
O homem é desejo segundo Freud – pulsão de vida e morte Eros e Thanathos.
Em Totem e Tabu (1913) Freud fala-nos (Vd. J. Marques dos Santos, Contribuições da psicanálise e psicologia social para as ciências da arte: Freud e Vygotsky em Discussão) de que a génese da arte não está relacionada ao ideal de representação da beleza, ao qual nos acostumamos mas, desde a inscultura rupestre até as representações contemporâneas, ela caracteriza-se comouma forma de dizer o que a civilização, no seu processo de repressão e produção da cultura, mantém “oculto”. Conclui Sigmund Freud (1913):
Apenas num único campo da nossa civilização foi mantida a omnipotência de pensamentos e esse campo é o da arte. Somente na arte acontece que um homem consumido por desejos efectua algo que se assemelha à realização desses desejos e o que faça com que um sentido lúdico produza efeitos emocionais – graças à ilusão artística – como se fosse algo real. As pessoas falam com justiça da ‘magia da arte’ e comparam os artistas com mágicos. Mas a comparação talvez seja mais significativa do que pretende ser. Não pode haver dúvida de que a arte não começou como arte por amor à arte. Ela funcionou originalmente ao serviço de impulsos que estão hoje, na sua maior parte, extintos. E entre eles, podemos suspeitar da presença de muitos instintos mágicos (p.100-101).
2. O partilhar está permeado no tecido do nosso ser todavia ela vai contra o sentido mais profundo do nosso agir quotidiano. O corpo humano é uma autodenegação da experiência radical da dádiva. Para compartilhar verdadeiramente devemos, em termos cabalísticos, de assumir um raciocínio contra-intuitivo. Devemos ir contra o desejo natural da natureza humana. Uma mãe que alimenta o seu filho poderia representar esse sentido de transcendência? Por uma lado sim, porque ela compartilha no sentido em que o alimento passa da sua mão para a boca do ser que alimenta. Ao nível emocional há os sentimentos que passam de preocupação e carinho do seu coração para a criança. Mas mais que isso temos aqui uma marca de confluência de interesses mais do que de verdadeira transcendência. A verdadeira marca do partilhar é o gerar de luz através de resistências de todo o nível. A Cabala compara a Luz do Criador com uma vela de chama suave. Como a vida. Para conseguir ver a vela, precisamos de parar e quando virmos como no nível da alma isto nos faz sentir bem, podemos parar de uma vez por todas de curto-circuitar a nossa existência. O que é mais difícil para si? Segundo David Servan-Schreiber, (Curar, Lisboa, P.D. Quixote, 2006: 202) as perguntas qeofe a que uma kosovar responde depois do desaparecimento do marido raptado pelas milícias sérvias na Guerra de 1999, que o nível mais profundo é o emocional… “não saber o que dizer aos meus filhos,(…). Eu, há muito tempo que sabia que aquilo havia de acontecer, e o meu marido e eu tínhamos falado muitas vezes sobre o assunto. Mas as crianças… O que é que posso fazer pelos meus filhos?” De novo a questão da confluência de interesses.
3. A presença do Criador manifesta-se como Luz, mas que luz é esta? Para realmente compreender a Luz temos que entender que ela não pode concorrer com a indulgência material ou prazeres transitórios; a questão é: a separação entre D-us e o homem, que todo o povo de Israel foi chamado a viver, introduziu na história das religiões a transcendência absoluta de D-us e a prova produzida como inintegrável, conforme Levinas procurou demonstrar ao longo da sua obra, onde se faz entender a distinção necessária teórica e vivencial entre a sacralidade e a santidade na palavra hebraica sem medida que é o Nome de D-us…. (Levinas, E., DMT, e Totalidade e Infinito esp.).