Tuesday, December 04, 2007

"Vivemos todos juntos naquela região"



Aaron Ram,
Embaixador
da nossa querida Eretz Israel em entrevista do dia 3 de Dezembro de 2007 ao jornal diário do Porto, O Primeiro de Janeiro

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A influência dos extremismos e da intolerância minou sempre o processo de paz naquele que é o mais longo conflito da nossa história. Há um ano, numa entrevista concedida em exclusivo a O PRIMEIRO DE JANEIRO, Aaron Ram assumia que o cessar-fogo estabelecido entre as duas partes em 2005 não era real e que israelitas e palestinianos - mesmo após as cedências que levaram à retirada hebraica da Faixa de Gaza e de alguns colonatos da Cisjordânia - prosseguiam os confrontos sem data marcada para a bandeira branca. O conflito prossegue, mas a esperança de o ver terminar voltou a surgir, tendo o embaixador de Israel em Portugal assumido acreditar que, finalmente, a paz pode ser uma realidade. Depois da cimeira de Annapolis, nos Estados Unidos, aponta-se 2008 como o ano da mudança. Aaron Ram confia na existência de dois Estados soberanos a viverem em paz. Afinal, como destaca, "vivemos todos juntos naquela região". Há arestas a limar, extremismos a erradicar, mas o caminho, diz, está aberto.


António Pedro Gomes


Annapolis foi um sucesso ou apenas mais uma cimeira de boas intenções?
Uma cimeira de boas intenções é sempre um sucesso. Partimos todos do mesmo princípio de que as más intenções não podem ser bem sucedidas. Penso que foi muito bem sucedida. Temos primeiro de perceber quais foram os objectivos, ou as bases, que sustentaram o encontro de Annapolis. Foi uma breve cimeira de 24 horas que teve mais de quarenta participantes. É preciso que se perceba que não é num dia que vão resolver-se todos os problemas.


Mas será, seguramente, um bom princípio...
Com certeza, e foi isso que se pretendeu. O objectivo primordial foi relançar, após um iato de sete anos, as negociações entre nós e os palestinianos. Com o contributo da comunidade internacional, em particular dos países árabes, o importante é que os palestinianos, os moderados, tenham o incentivo certo, o apoio e o encorajamento necessários. No fundo, debatemos uma carta de princípios, em que todos acordaram que seria agora um ponto de partida. Daqui para a frente vamos trabalhar e negociar de forma intensa para que se contornem as diferenças que existem actualmente entre nós e os palestinianos.

As declarações públicas no final da cimeira, em particular da administração Bush, davam conta que poderá ser possível a criação de um Estado Palestiniano já em 2008. É um objectivo concretizável?

Claro que é possível. Tal como foi possível a criação desse mesmo Estado Palestiniano há sete anos. As possibilidades estão todas em aberto e a boa vontade, e terá de vir dos dois lados, pode tornar isso exequível. Agora é tempo de debatermos os assuntos-chave.

Que são, no fundo, as grandes diferenças e que sempre separaram os dois lados...
E agora vamos trabalhar no sentido de esbater essas diferenças. Existe já um gabinete de trabalho que vai prosseguir as negociações e preparar o encontro entre Abu Mazen (Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestiniana) e o nosso primeiro-ministro (Ehud Olmert). Vamos, daqui para a frente, e sem excepções, debater os assuntos essenciais.

Sem excepções?
Sim, sem excepções. Teremos de alcançar um acordo e é para isso que vamos, em conjunto, começar agora a trabalhar.

É a paz a preparar-se para o próximo ano? O tal Estado Palestiniano?
Se for possível, claro. É o que todos queremos. Vamos trabalhar, como já referi, para chegarmos a esse compromisso já no próximo ano.

Até onde está o executivo de Telavive disposto a ir? Que concessões está Israel disposto a fazer?
Será, certamente, um assunto a debater ao longo das negociações que agora vão começar. Não sou eu, certamente, quem vai abordar essa questão. Estamos dispostos a negociar e a colocar as nossas divergências de lado. Agora, a natureza do acordo e a forma como poderá ser alcançada a extensão dos compromissos... Vamos trabalhar para o acordo e para deixarmos as divergências de lado.

Há um elemento novo neste processo negocial. Há sete anos o Hamas não estava no governo nem tinha ganho eleições....
Não podemos voltar atrás no tempo. Há sete anos, na cimeira de Camp David, nos Estados Unidos, o governo de Israel ofereceu praticamente todas as condições que poderia ter oferecido e foram recusadas...

E sete anos depois, os mesmos que se mostraram intransigentes são uma força política que vence eleições na Palestina e que mantém essa intransigência...
Podemos concluir que, passados todos estes anos, é necessário que todos percebam que qualquer acordo ou compromisso que tenhamos que fazer inclua garantias de segurança, a cem por cento. É preciso desarmar o Hamas, acabar com o terrorismo, desarmar todos os grupos terroristas. Um acordo para a paz terá forçosamente de incluir esta condição; garantias de segurança.

Israel conseguirá fazê-lo?
Essa é uma responsabilidade dos palestinianos. Terão de dar essas garantias e assegurar os meios que possam garantir as condições necessárias para que o processo avance. Será preciso desarmar o Hamas e todos os grupos fundamentalistas. Aliás, é neste mesmo desarmamento e a forma como iríamos para a mesa de negociações que assentavam os princípios do Roteiro para a Paz.

Esse desarmamento irá pressupor que a Palestina poderá transformar-se num Estado sem exército?
São assuntos completamente diferentes... eu falo em desarmar o Hamas e os fundamentalistas islâmicos. Um compromisso, aliás, assumido pelo presidente da Autoridade Palestiniana. Ele pretende um Estado, um exército, uma polícia. Foi o próprio Abu Mazen quem assumiu esse compromisso e, convenhamos, que não faz muito sentido haver vários grupos armados, com as suas próprias ideias.

Esse princípio de negociações vai implicar convencer o Hamas a sentar-se à mesma mesa que Israel. Será, por certo a tarefa mais complicada...
Não temos de convencer o Hamas de nada, não falamos com o Hamas. O interlocutor do Hamas é Abu Mazen. As negociações vão decorrer entre nós e o governo da Palestina. Um dos pilares do acordo, como já referi, é a segurança. E cabe a Abu Mazen essa parte do acordo. Se o Hamas, a Jihad Islâmica e outros grupos prosseguirem os ataques, que tipo de acordo será possível fazer? O acordo entre nós e os palestinianos dependerá da segurança nas fronteiras de Israel. É algo com que terão de lidar. O Hamas e a Jihad são um problema dos palestinianos sobre o qual não iremos interferir, uma vez que compete a quem representa os palestinianos.

Ou seja, voltámos ao Roteiro e à sua primeira emenda: o desarmamento. Acha mesmo possível?
É um compromisso assumido pelos palestinianos. Terão de conseguir controlar o seu próprio povo.

Fora das fronteiras não há Hamas, nem Jihad, mas sim, no sul do Líbano, o Hezbolah. Quem o vai controlar ou desarmar?
A questão central são as negociações com a Autoridade Palestiniana...

Não será uma história sem fim? Uma guerra que não vai acabar?
Estamos comprometidos, e foi nisso que falei, com os palestinianos. E é com eles que vamos negociar para alcançarmos a paz. Por isso realcei a questão da segurança das nossas fronteiras. Negociamos com os palestinianos e não com pessoas ou grupos vindos de outros lados. Eles é que terão de resolver esses problemas.

A mesma questão, mas vista de outro ângulo...Mahmoud Abas será capaz de controlar toda a gente e apagar todos os fogos?
Existe uma grande diferença entre a sua vontade e motivações para alcançar um acordo com Israel, que sabemos que quer... terá de reorganizar as instituições palestinianas, a polícia, implementar os programas de recuperação económica, os projectos na área da educação. Há muito a fazer. É aqui que entra a comunidade internacional, os doadores...Será necessário criar instituições democráticas sem as quais não será possível alcançar os objectivos. E é nisto em que eu acredito. Criando as condições, reformulando as forças de segurança, certamente que será capaz de controlar os grupos terroristas.

Assim sendo, insisto, onde entra o Hezbolah? Afinal, não pode haver paz sem um cessar-fogo em toda a região...
São questões diferentes. Quando estamos a falar da criação de um estado da Palestina, é um assunto que nos envolve a nós e aos palestinianos. O Líbano é um outro assunto. O Hezbolah é um dos problemas que existem na região: de um lado os extremistas, do outro os democratas.

Uma questão para ser debatida entre Telavive e Beirute?
Sim, é um outro assunto, à margem da questão palestiniana que teremos de resolver no futuro. O Líbano é um Estado no qual vive um mini-Estado chamado Hezbolah. É uma questão que preocupa a todos e que terá de ser resolvida. É um conflito que opõe moderados a extremistas, extremistas esses que são controlados, patrocinados e doutrinados por outros Estados, como o Irão. No fundo, estamos a falar da essência de Annapolis, separar moderados e extremistas. Até a Síria, que albergou alguns líderes terroristas e contrabandeou armas para o Líbano, que foram parar às mãos do Hezbolah, esteve na cimeira de Annapolis. Talvez ainda tenha muito a provar e a fazer, mas até a Síria já está a abandonar o discurso extremista e mostra-se disposta a trabalhar para os acordos a que todos nos propomos.

Teerão não gostou da posição adoptada por Damasco...
Pois.. o Irão expressou publicamente o seu descontentamento pela presença da Síria na reunião de Annapolis. No fundo, é a prova que começa a haver já alterações e mudanças de atitude nesse «mundo» extremista.

Esse «mundo» extremista não vai ser sempre um problema para Israel?
O extremismo é sempre um problema para todos.

O que me leva a insistir no ponto de vista. Estabelecer a paz com os palestinianos não será sinónimo de paz para Israel....
O conflito mais grave, o mais importante, é este que tentamos resolver agora. É entre nós e os palestinianos. Se o resolvermos, como pretendemos, acredito que muitos países árabes encontrem depois uma via para estabelecer contactos e normalizar relações diplomáticas com Israel.

Chega-se à paz entrando na teoria da guerra fria?
Por que lhe chama guerra fria?

No passado, Washington e Moscovo viveram de costas voltadas sem terem disparado um único tiro. Estavam em paz, sem serem forçosamente nações amigas...
Não será disso que estamos a falar, nem quero, garantidamente, perspectivar esse fim para um caminho que vamos agora em conjunto começar a trilhar. O normalizar dessas relações é também uma das missivas do Roteiro para a Paz no Médio Oriente. O que se segue aos acordos com os palestinianos será essa normalização das relações com o mundo árabe...e aqui espero que o governo do Líbano seja suficientemente forte e determinado para ganhar esse alento e chegar aos acordos que todos desejam.

Beirute está desde 1982 à espera de ganhar esse alento...
O facto de não sermos bem sucedidos uma vez, não quer dizer que desistamos ou que não consigamos. Temos de ser persistentes até chegarmos ao objectivo. Tivemos essa oportunidade em 2000, a de chegar à paz com os palestinianos, não resultou, mas isso não quer dizer que não voltemos a tentar. Vivemos todos juntos naquela região, teremos naturalmente de tentar e nunca desistir. Estou convencido que o mesmo se passará com o Líbano. Há uma Resolução das Nações Unidas (1701) que diz que no sul do Líbano só pode haver um exército, o libanês. O Hezbolah controla aquela zona porque o governo de Beirute ainda não é suficientemente forte, mas temos a esperança de que se trata de uma questão de tempo.

Voltamos, então, à Palestina e ao Hamas, que venceu as eleições....
Os palestinianos já perceberam que o Hamas não é a solução. Esperamos que não vença nas próximas eleições. Com um governo moderado será possível começar a resolver todos os problemas que temos em comum.


Se olharmos para dentro de Israel e da sua própria sociedade nem todos são moderados. Qual o papel dos conservadores, dos religiosos, dos colonos neste processo de paz?
Nas sociedades democráticas há todo o tipo de tendências e opiniões. Há a esquerda, a direita, os religiosos... mas no fim vence sempre a democracia e fala-se a uma só voz. Podemos viver numa sociedade muito heterogénea, mas é o governo quem decide e é respeitado por isso. É esta a vontade do povo de Israel.

O Irão é um caso perdido em todo este processo?
Ninguém é um caso perdido. Aliás, o Irão é um país, não pode ser visto como um caso. Escolheu o seu próprio caminho e acredito que, no futuro, as coisas possam mudar também, tal como mudam noutros lados, noutros países.


Acha mesmo possível Teerão mudar radicalmente as suas políticas?
Tudo é possível. Há muita oposição e contestação às políticas do seu presidente (Mahmoud Ahmadinejad) e quem pense que o país poderia seguir um caminho diferente. O Irão fala no extermínio do Estado de Israel.. é um Estado membro das Nações Unidas que fala na destruição de um outro Estado. Tenho esperança e quero acreditar que as coisas podem mudar no futuro.

O Irão pode ser o rastilho para um próximo conflito? Washington e Teerão extremam cada vez mais as suas posições e este cenário já foi visto; basta lembrarmo-nos da guerra de palavras entre os Estados Unidos e o Iraque...
É certo que temos de analisar quais são os perigos, as possibilidades, mas não podemos adivinhar o futuro. A comunidade internacional está a tentar impor sanções cada vez mais pesadas ao Irão para ver se consegue fazê-los mudar de ideias em relação ao seu programa nuclear. Há aqui um choque de valores, os ocidentais e os iranianos...esperemos que Teerão perceba que não pode prosseguir com o seu programa nuclear e que o futuro seja menos nublado do que o presente.

O mundo está hoje mais seguro do que quando foi iniciada a chamada guerra contra o terrorismo?
É uma questão cuja resposta acaba por ser muito vaga, sinceramente... não tenho dados, números, que me façam poder responder com exactidão ao que me pede.


O fundamentalismo ganha adeptos...
Todos fazemos os possíveis para que o fundamentalismo não cresça, não ganhe adeptos. Há muitos países no mundo com problemas internos, conflitos que acabam por ser gerados por questões económicas e sociais. É nesses meios que cresce o extremismo, é disso que se alimenta o fundamentalismo. É necessário que as nações conjuguem esforços por forma a que seja possível criarmos um mundo melhor e minimizarmos os efeitos e o impacto dos fundamentalismos. O mundo é um local muito bonito para se viver...

Isso não será uma utopia?
Porquê utopia? Não vejo as coisas assim....

Este mundo bonito para viver teve apenas três dias de paz desde o final da Segunda Guerra Mundial. São 62 anos consecutivos de guerras e conflitos...
E quem deve ser responsabilizado por isso? Temos de olhar para nós próprios e decidir que as coisas terão de ser feitas de outra forma. Depende dos homens a decisão de viverem em paz uns com os outros. No final da Segunda Guerra, os países criaram a Organização das Nações Unidas precisamente para tentar resolver toda e qualquer quezília que surgisse. Muitos Estados investem todo o seu esforço para que seja possível criar um mundo melhor.


Andre-Moshe Pereira, Presidente Kehillah Or Ahayim

Director Ceimom, Porto_GAIA