Sunday, December 16, 2007

O feminino que me envolve e alimenta


André-Moshe Pereira, Presidente Kehillah Or Ahayim,
Comunidade Judia do Porto Oriente


A Y. B. Abraham.
Ao meu Querido Mestre R. K., a Y.M.
A M.B. do Gerês.

Foste assim irmão R.T., sem avisar, com esse riso solar e essa alma pura de menino bom, até à Eternidade, junto de Gan Éden, até já, irmão.


A. “- Você acredita na sorte? - Acredito. Na sorte e no azar. - D-us existe, existe, disse Mottke. - E daí se existe? Fica lá sentado no sétimo Céu, os anjos todos elogiando-O com seus hinos, e Ele se importa tanto com a gente quanto com a geada do ano passado”. Isaac Bashevis Singer, Uma noite na casa dos pobres, Cia Letras, S.P., 2004

B. O trabalho de Bracha Bettinger cria campos simbólicos e sub-simbólicos o que dentro do território feminino ganha alguma visibilidade.
A renúncia matricial é vista como a criação de novas possibilidades subjectivas. Isto porque o desenho das concepções de Ettinger assenta na noção de renúncia de Deleuze e Guattari. A subjectividade e a ordem simbólica trabalham de mãos dadas. A introdução da Matriz é como um cavalo de Tróia entre o Phallus e o Símbolo e o mapa da “metramorfose” (Ettinger, 1993: 51). Poderemos lançar as hipóteses de uma certa consciência no espaço de fronteira condividida com o íntimo estranho e a conjunta co-emergência na diferença e se isso supõe a particular dimensão feminina da subjectividade.
A consciência destes estados alterna com o ser um, separado ou fundido (Ettinger, 1994: 41). A série de renúncias, permitem uma continuidade do tempo feminino, que ecoa na co-criação das matérias e dos ‘sistemas semióticos’ (ver em Deleuze e Guattari, 1987: 334). Descrevendo os mesmos conceitos de Ettinger a renúncia trabalha como produtora de novas subjectividades (o feminino diz sempre mais; diz sempre quando não diz: a Shekinah sefirótica é a sua máxima expressão) na sua arte criadora no qual o feminino é visto em termos de renúncia ou afastamento matricial. A renúncia matricial é vista como a produtora de possibilidades neo-subjectivas que fornecem a base de uma ética existencial no feminino. Esta ética permite um tempo no qual nem o futuro nem o passado são determinados pela subjectividade fálica. “ nós precisamos de expandir o conceito do simbólico para além da rede de significantes do discurso”. (Ettinger, 1995:18)
Compreender o conceito de Ettinger do matricial como uma espécie de renúncia – não como signo ou significante – que conta para a via na qual o matricial desterritorializa desde dentro os enquadramentos com os quais se sujeita. O matricial torna-se uma espécie de ‘cavalo de Tróia’. Entender o matricial como renúncia é também a via na qual o matricial trabalha criativamente a respeito do feminino – “ O filtro lacrimal matricial afecta os eventos trans-subjectivos fora de eliminação (Ettinger, 1967: 641). Reinventando o campo das nossas possibilidades subjectivas para que elas incluam os eventos trans-subjectivos não é uma tarefa fácil. Ora é aqui justamente que Bracha Ettinger nos desafia, não somente como teórica feminista, mas também como artista e psicanalista (Ettinger, 1997). As suas intervenções a respeito do feminino através destes três aspectos do seu trabalho não são facilmente separáveis. O que torna o trabalho de Ettinger particularmente importante em todas estas áreas é que não somente ela desenvolve o trabalho de crítica, mas ainda mais difícil o trabalho directamente conotado à ‘co-afectividade’ relacional e ao trans-subjectivo. O seu trabalho desenvolve um precipício propenso (1996:129) ou um espaço a que ela se refere como uma “zona transubjectiva” (1999:16), “subjectividade-como-encontro” ou “subjectividade alargada”(1996: 145,133). Crucial para isto é a criação dos conceitos de matrix e matramorphosis como temos referenciado nesta composição; Ettinger define estes termos cruciais e relacionados como seguem: “Matrix: como eu entendo ou interpreto: um espaço psíquico criativo na linha da fronteira; e o stratum matrixial da subjectivação revela a subjectividade como um encontro de elementos de co-emergência através da metramorphosis.” (1996:125) O seu trabalho teorético desenvolve consistentemente a via na qual os conceitos de matrix e metramorphosis relativos ao aspecto feminino da subjectividade e ao espaço feminino e ao processo na ordem simbólica aparecem. Embora muito do seu trabalho teorético esteja explícita e intensamente comprometido com a psicanálise freudiana e lacaniana ela não limita o seu trabalho à psicanálise. Ela escreve que “ A matrix…implica uma relação especial entre o eu e o estranho/Outro no nível cultural e sociológico, e não somente na psicanálise.” (1994:43-4). Na sua análise de ‘mobilização’ dos fenómenos sociais, Ettinger não só convenciona a teoria psicanalítica tradicional (que aqui evocamos como a de Freud e Lacan) mas está informada por uma cifra objectual e relacional de teóricos como J.-François Lyotard, Emmanuel Levinas e das ideias anti-edipianas Gilles Deleuze e Guattari , que se tornam arte.
A originalidade do olhar de Ettinger a respeito do tema anti-edipiano busca o caminho duma concepção da matrix como “uma impressão de vários traços do feminino da especificidade corporal no real (e também do feto) da sua passagem sub-simbólica para o simbólico” (1994:43). Esta passagem do feminino do sub-simbólico para o simbólico é um aspecto do trabalho das renúncias ou abandono da sua arte. A sua particular aproximação ou ajustamento sobrevém no visual.