O poema de Paul Celan em A.P., escreve-se na extinção do ano, o derradeiro dos últimos meses. O tempo anual anela e seiva circular escandida e cesurada, aporta a sua lógica do movimento de reflexão e esperança que assim faz o poema. Tratando-se de um poema que encerra fica expressamente aberto, sem que cada ponto comprometa as estrofes. A má aura produzida num único círculo, perfeito e coerente na sua condição autónoma – é a obra em que a demanda está no limite do fecho definitivo.
Conquanto que não se tenham traçado outros todos os círculos não farão senão um. Sempre é a matriz. A órbita astral ou o meridiano invisível e imaterial ditam a trajectória circular de um diálogo interno em que se encaram e se confrontam as estrelas inferiores duma fonte abissal – do devir histórico – ambos azuis de um céu – do alto, o da poesia – portador dum legado assassino.
A verdade do devir histórico, que já é escrita e também possui uma língua própria desde o primórdio tornar-se-á um fuste lancívoro, um bumerangue que traça pelas vias laterais a circularidade do retorno e do ciframento duma poesia que está duplamente esmigada pelos ataques dos detractores e pela retracção poética que se adia para o mais tarde, o secundário. O movimento diastólico de amplidão e de abandono – remete a uma sístole – a concentração e o contraimento. A anima dos mortos retorna na forma de uma anima que cifra o diafragmento – segundo – da língua. A circularidade é marcada pela verticalidade aguilhar do tempo que chega mais tarde, com o ir do poema. Ein wurfholz, auf Atemwegen, so wanderts, das Flügel- mächtige, das Wahre. Auf Sternen- bahnen, von Welten- splittern, geküßt, von Zeit-körnen genarbt, von Zeitstaub, mit-verwaisend mit euch, Lapilli, ver-nichtet, verbracht und verworfen, sich selber der Reim, - so kommt es geflogen, so kommts wieder und heim, einen Herzschlag, ein Tausendjahr lang innezuhalten als einziger Zeiger im Rund, das eine Seele, das seine Seele beschrieb, das eine Seele beziffert. (Paul Celan, GW I, 258).
A poesia de Celan a sua verdade poética, ancorada na história. O caso particular de um mal-estar sobre a escrita de uma série de poemas servirá para Paul Celan meditar sobre o acto da escrita, analisar e desfazer os fins das suas partes mais minudentes. A resposta terá feito a língua. As sílabas emergiram, com força redobrada, e se redistribuíram seguindo a lei interna que arrosta a escritura até ao seu cumprimento. O texto, como um fractal que ela reflexiona, dirá nele a forma autêntica da obra. Uma germinação esférica de círculos. O devir do extermínio estabelecerá uma primeira fragmentação dos atormentados fins até reduzi-los a cinza. Os piroclastos (lapil-li) remetem duplamente aos campos de extermínio e ao trabalho da língua e dá consistência à atrocidade. Todos os poemas se arregimentam nesta curvatura, anelados saturnalmente, com os ânimos. Um fim encerra – e se torna a abrir. Uma mudança de alento. O poema instaurar-se-á entre o «eu» e o «tu», as duas instâncias dissociadas desde a subjecção material que analisa e olha a escrita da sua mão, como se fora a mão de um outro.
Pelo entendimento fenomenológico podem explicar-se as formas sedimentares da experiência. Os mesmos «objectos» que Husserl postulava ao sujeito na constituição transcendental do seu conhecimento. Quando num poema separamos pela reflexão o sujeito do objecto caminhamos para um nível pré-reflexivo, uma vida, que contribui para um distanciar do dualismo cartesiano que é de certa forma incontrolável.