Thursday, October 11, 2007
O Sinal Judaico
Paulo Ferreira da Cunha
Multi-culturalmente, a auto-imagem de Portugal era a de um país edénico, em ainda próximos tempos. Não teríamos um problema racial negro, nem questões com chineses, e tampouco havia dificuldades com muçulmanos, nada se passando de relevante contra os judeus.
A colonização, apesar de original, não fora idílica: como o poderia ser o “dilatar da fé e do império”, em busca de “cristãos e pimenta”? E extremas-direitas, à sombra do regime salazarista-caetanista, de vez em quando exalavam algum ódio anti-judaico. Mas tudo era então encarado como epifenómeno.
Havia pontos de segregação, preconceito, etc. Contudo, o clima geral, e a auto-imagem dos portugueses era de convivência e harmonia. Essa auto-imagem, ainda que mítica, em parte hipócrita e levando água ao moinho do regime deposto, tinha contudo um efeito pedagógico positivo: porque havia quem acreditasse, e assim se comportasse sem preconceitos.
Os últimos anos têm agravado muito os conflitos inter-culturais e inter-grupais, grandemente por influência de alguns media, sempre em busca de sangue, escândalo, notícia bombástica, engrossando um problema, que é bola-de-neve, que se auto-alimenta. Sou desatento leitor de notícias pontuais: Mas não disseram, pelo menos alguns, que o alegado “arrastão” afinal não existiu? E não foi tal então agitado como papão de criminalidade “à brasileira” (mais um preconceito), estigmatizadora de comunidade concreta (“negra”)?
As agressões racistas são de marginais sem sentido nacional, sem consciência cívica, sem nada de útil para fazer, imitadores de segunda classe de outros marginais estrangeiros… É um fenómeno preocupante, mas exactamente no lugar em que se situa: de marginalidade. E, mais uma vez, aí se verifica o terrível fracasso da nossa democracia em sede de educação: geral, integral, humana e cívica. Não temos conseguido dar resposta aos jovens, cativá-los, entusiasmá-los para o grande projecto de sermos uma República! Sintomático que o SOS racismo tenha alertado para “terror racista” em escolas da margem sul, precisamente no dia 5 de Outubro. E que nos dias seguintes tenhamos tido notícia até de ameaças à Magistratura.As coisas pioram, mas piorarão mais se as aceitarmos como facto consumado, e vestirmos a pele de país violento, racista, segregador, preconceituoso. Temos de recusar essa idiossincrasia.
O cemitério judaico foi profanado. Não está em causa o que se pense sobre os judeus, a cultura judaica, a sua história, o seu papel no Mundo, e, mais ainda, sobre o sionismo, o Estado de Israel ou a sua política. Limitemo-nos a uma mera verificação de facto, simplesmente empírica, histórico-sociológica: os judeus são uma espécie de grupo-testemunha da qualidade da liberdade e convivência nos diferentes tempos e lugares.
A verdade é que quando os judeus começam a ser atacados como grupo, é sinal de lançar o alerta. “Primeiro vieram pelos judeus…” - Diz um célebre texto sobre as sucessivas vagas de marcados e exterminados pelo nazismo. Perante a vandalização, a profanação de sepulturas judaicas no nosso País, como a que ocorreu recentemente, não podemos ficar indiferentes. Todos somos judeus, nesta hora, disse-se, e bem.
Contudo, cuidado: não vamos tratar quem é apenas desequilibrado, mimético de modas de subculturas, como um consciente nazi: Distingamos bem. Prudentemente.
Que os responsáveis sejam punidos, mas mais: saibamos dar à nossa juventude razões para amar a Democracia, a Liberdade e a convivência entre todos os Povos, Culturas, Credos e Filosofias, sem dogmatismos, sem hegemonismos, sem pretenso domínio exclusivo de pseudo-verdades, sempre beligerantes.
Não é fácil: a televisão e a Internet estão cheias de preconceitos. E parece emergir uma cultura de boçalidade e afirmação estúpida de uma pretensa força (e até “virilidade”) feita de maniqueísmo, agressividade gratuita, e até algum sadismo. O verniz anda a estalar na nossa barbárie civilizada (lembrando livro homónimo de Pier-Paolo Ottonello). Como podemos elevar os espíritos, e a qualidade da nossa convivência social se há forças animalescas e diabólicas (que geram a discórdia e a confusão) sempre a puxar para baixo (v. Adorno, Minima Moralia, aforismo 118)?
É difícil o desafio. Mas não tenhamos ilusões: ou se promove uma educação não para a (ainda preconceituosa) tolerância, mas para a plena convivência, e o respeito, ou o nosso jardim da Europa transformar-se-á. Os míticos brandos costumes lusitanos durarão até quando e até onde chegar a nossa educação. Já temos muitos inquisidores por aí. Atenção ao sinal judaico.
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Adenda ao artigo do Professor Doutor Paulo Ferreira da Cunha
NOTA:
O Presidente da Or Ahayim e a nossa comunidade em especial a Comunidade Judaica Or Ahayim - KoAH, sionista e constituída por judeus e marranos, manifesta total desolação pela decisão do juíz na libertação dos energúmenos que profanaram o nosso cemitério de Lisboa. Mais ainda, a kehillah Or Ahayim está em celebração e total solidariedade com a Comunidade Israelita de Lisboa e sua distinta Direcção e todos os judeus de Portugal até ao ínfimo das entranhas.
Andre Moshe Pereira, Presidente Or Ahayim
Director CEIMOM
Multi-culturalmente, a auto-imagem de Portugal era a de um país edénico, em ainda próximos tempos. Não teríamos um problema racial negro, nem questões com chineses, e tampouco havia dificuldades com muçulmanos, nada se passando de relevante contra os judeus.
A colonização, apesar de original, não fora idílica: como o poderia ser o “dilatar da fé e do império”, em busca de “cristãos e pimenta”? E extremas-direitas, à sombra do regime salazarista-caetanista, de vez em quando exalavam algum ódio anti-judaico. Mas tudo era então encarado como epifenómeno.
Havia pontos de segregação, preconceito, etc. Contudo, o clima geral, e a auto-imagem dos portugueses era de convivência e harmonia. Essa auto-imagem, ainda que mítica, em parte hipócrita e levando água ao moinho do regime deposto, tinha contudo um efeito pedagógico positivo: porque havia quem acreditasse, e assim se comportasse sem preconceitos.
Os últimos anos têm agravado muito os conflitos inter-culturais e inter-grupais, grandemente por influência de alguns media, sempre em busca de sangue, escândalo, notícia bombástica, engrossando um problema, que é bola-de-neve, que se auto-alimenta. Sou desatento leitor de notícias pontuais: Mas não disseram, pelo menos alguns, que o alegado “arrastão” afinal não existiu? E não foi tal então agitado como papão de criminalidade “à brasileira” (mais um preconceito), estigmatizadora de comunidade concreta (“negra”)?
As agressões racistas são de marginais sem sentido nacional, sem consciência cívica, sem nada de útil para fazer, imitadores de segunda classe de outros marginais estrangeiros… É um fenómeno preocupante, mas exactamente no lugar em que se situa: de marginalidade. E, mais uma vez, aí se verifica o terrível fracasso da nossa democracia em sede de educação: geral, integral, humana e cívica. Não temos conseguido dar resposta aos jovens, cativá-los, entusiasmá-los para o grande projecto de sermos uma República! Sintomático que o SOS racismo tenha alertado para “terror racista” em escolas da margem sul, precisamente no dia 5 de Outubro. E que nos dias seguintes tenhamos tido notícia até de ameaças à Magistratura.As coisas pioram, mas piorarão mais se as aceitarmos como facto consumado, e vestirmos a pele de país violento, racista, segregador, preconceituoso. Temos de recusar essa idiossincrasia.
O cemitério judaico foi profanado. Não está em causa o que se pense sobre os judeus, a cultura judaica, a sua história, o seu papel no Mundo, e, mais ainda, sobre o sionismo, o Estado de Israel ou a sua política. Limitemo-nos a uma mera verificação de facto, simplesmente empírica, histórico-sociológica: os judeus são uma espécie de grupo-testemunha da qualidade da liberdade e convivência nos diferentes tempos e lugares.
A verdade é que quando os judeus começam a ser atacados como grupo, é sinal de lançar o alerta. “Primeiro vieram pelos judeus…” - Diz um célebre texto sobre as sucessivas vagas de marcados e exterminados pelo nazismo. Perante a vandalização, a profanação de sepulturas judaicas no nosso País, como a que ocorreu recentemente, não podemos ficar indiferentes. Todos somos judeus, nesta hora, disse-se, e bem.
Contudo, cuidado: não vamos tratar quem é apenas desequilibrado, mimético de modas de subculturas, como um consciente nazi: Distingamos bem. Prudentemente.
Que os responsáveis sejam punidos, mas mais: saibamos dar à nossa juventude razões para amar a Democracia, a Liberdade e a convivência entre todos os Povos, Culturas, Credos e Filosofias, sem dogmatismos, sem hegemonismos, sem pretenso domínio exclusivo de pseudo-verdades, sempre beligerantes.
Não é fácil: a televisão e a Internet estão cheias de preconceitos. E parece emergir uma cultura de boçalidade e afirmação estúpida de uma pretensa força (e até “virilidade”) feita de maniqueísmo, agressividade gratuita, e até algum sadismo. O verniz anda a estalar na nossa barbárie civilizada (lembrando livro homónimo de Pier-Paolo Ottonello). Como podemos elevar os espíritos, e a qualidade da nossa convivência social se há forças animalescas e diabólicas (que geram a discórdia e a confusão) sempre a puxar para baixo (v. Adorno, Minima Moralia, aforismo 118)?
É difícil o desafio. Mas não tenhamos ilusões: ou se promove uma educação não para a (ainda preconceituosa) tolerância, mas para a plena convivência, e o respeito, ou o nosso jardim da Europa transformar-se-á. Os míticos brandos costumes lusitanos durarão até quando e até onde chegar a nossa educação. Já temos muitos inquisidores por aí. Atenção ao sinal judaico.
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Adenda ao artigo do Professor Doutor Paulo Ferreira da Cunha
NOTA:
O Presidente da Or Ahayim e a nossa comunidade em especial a Comunidade Judaica Or Ahayim - KoAH, sionista e constituída por judeus e marranos, manifesta total desolação pela decisão do juíz na libertação dos energúmenos que profanaram o nosso cemitério de Lisboa. Mais ainda, a kehillah Or Ahayim está em celebração e total solidariedade com a Comunidade Israelita de Lisboa e sua distinta Direcção e todos os judeus de Portugal até ao ínfimo das entranhas.
Andre Moshe Pereira, Presidente Or Ahayim
Director CEIMOM