Sunday, September 02, 2007

Os judeus em Portugal

Os Judeus em Portugal( Fragmento)
Presença e Memória

Esther Mucznik


Há mais de um século, precisamente em 1880, um homem lançava um apelo á união dos judeus de Lisboa e á "constituição da colónia israelita de Lisboa". Esse homem chamava-se Abraham Anahory, mas só viu o seu sonho realizado 17 anos depois, em 1897, quando sob o enérgico impulso de um outro Anahory, Simão, teve lugar a 14 de Março a que ficou conhecida como a "Sessão inaugural do Comité Israelita de Lisboa".

Hoje, nomes como, Anahory, Zagury, Bensabat, Bensaúde, Abecassis, Buzaglo e tantos outros, nomes ligados á fundação da Comunidade Israelita de Lisboa e a todas as suas instituições, esses nomes já não constam dos registos dos actuais membros da Comunidade.
Por que razão? Morreram sem deixar descendência?


É provavelmente o caso de alguns, mas na esmagadora maioria dos casos, esse desaparecimento dá-se por assimilação. Ou seja, a extremamente bem conseguida integração social dos judeus portugueses, nos séculos XIX e XX, levou e continua a levar á sua assimilação pura e simples pela sociedade católica maioritária, nomeadamente através da conversão pelo casamento.
Este meu trabalho sobre os judeus em Portugal tem como pano de fundo uma questão, que sempre tem atormentado a diáspora judaica, embora seja comum a todas as minorias: como manter viva uma identidade específica, sem cair no isolacionismo? Como participar plenamente na cidadania comum, impedindo a assimilação pura e simples? Velha questão, mas que hoje em época de liberdade, de reconhecimento dos direitos das minorias, coloca novos desafios e exige novas respostas.


Regresso dos Judeus ou do Judaísmo?

Quando se fala da presença contemporânea dos judeus em Portugal, fala-se normalmente do seu regresso nos princípios do sec.XIX, coincidindo com o enfraquecimento da Inquisição e a sua abolição em 1821. Mas seria mais rigoroso falar em regresso do judaísmo, em vez de regresso dos judeus.

De facto, apesar de alguns dos nomes dos judeus que se instalaram em Portugal em princípios do sec. XIX, evocarem eventualmente as suas terras de origem ibérica (Cardoso, Pinto, Sequerra, Conquy) e indicarem, portanto uma origem sefardita remota, a maioria eram cidadãos originários de Marrocos e de Gibraltar, em busca de melhores condições de vida, cujo "regresso" seria difícil de provar e de cuja eventualidade eles não teriam certamente nem memória nem consciência.

Esta ausência de continuidade histórica vai pesar mais tarde nas relações, nem sempre fáceis que a Comunidade Israelita de Lisboa terá com os marranos portugueses e nomeadamente com o grande movimento de retorno ao judaísmo oficial, por parte de numerosos cripto-judeus portugueses nos anos 20, já no nosso século.

Aliás, de uma forma ou de outra, os judeus portugueses estão permanentemente confrontados e cada vez mais com a memória de outras presenças, nomeadamente, a presença da comunidade judaica portuguesa de antes da expulsão ou a comunidade cristã-nova do tempo da Inquisição. São, podemos dizê-lo, presenças ausentes mas que actuam no inconsciente colectivo da memória portuguesa, fornecendo-lhe referências e sobretudo estereótipos.

Grupos de judeus instalaram-se como tal em Portugal, logo no início do sec. XIX, mesmo antes da abolição da Inquisição, que só terá lugar oficialmente e por decreto do Governo Revolucionário, a 31 de Março de 1821.

Vindos essencialmente de Marrocos e de Gibraltar, instalaram-se fundamentalmente em Lisboa, nos Açores e em Faro. Eram pessoas com nível cultural acima da média, sabendo ler e escrever e falando, para além do hebraico litúrgico, o inglês ou o árabe e o haquitia, dialecto judaico-hispano-marroquino. Tinham numerosos contactos internacionais, não só devido ás actividades comerciais, mas também devido aos laços familiares espalhados pelo mundo. Estes factores explicam o seu rápido florescimento económico e cultural.

Os judeus que se instalaram em Lisboa, vindos, em grande parte, de Gibraltar, mantiveram cautelosamente a sua cidadania britânica. Data de 1801 a obtenção de um pequeno terreno, no cemitério inglês da Estrela, para inumação dos mortos segundo o ritual judaico e a primeira sepultura é a de José Amzalaga, falecido a 26 de Fevereiro de 1804, segundo o epitáfio inscrito.
Em 1810, já havia em Lisboa três pequenos centros de oração que funcionavam em casas particulares, mas a primeira sinagoga pública data de 1813 e foi criada pelo Rabino Abraham Dabella com o nome de Shaar Hashamaim (Pórtico do Céu), que era também o nome da velha comunidade sefardita de Londres.

(Continua)

Postagem, Andre Moshe Pereira, Koah

[Ao próximo recente Rav da Comunidade de Lisboa que já está em Portugal em funções numa esnoga].