Thursday, April 12, 2007

Do ócio e seus mundos


André Moshè Pereira*

Os gregos tomam, pela primera vez na história da humanidade, a atitude científica, colocando-se o problema da natureza. Descobrem os números e as ideias como objectos da ciência. Os sofistas colocam o problema da relação entre a natureza e a cultura. Aristóteles faz culminar a ciência da natureza numa ciência do divino, concebida numa peculiar relação com o homem.A filosofia como ciência religiosa: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo como religiões, vida e cultura são interpretadas nos tempos medievais por meio da filosofia grega pela teoria medieval, que sistematiza esta interpretação na Suma de Tomás de Aquino.

Na idade contemporânea, a filosofia e o seu suposto moderno partem do primado do homem e polariza-se para o desprendimento da natureza do homem com respeito à religião, na ciência positiva, particularmente na medicina e da ciência biotecnológica que toma o lugar da teologia da Idade Média.Existe também modernamente uma identificação da natureza e da cultura de e no homem com a divindade, no espírito absoluto.A filosofia contemporânea define-se em geral como ciência da essência ou ao contrário, gramatológica. Do humano e da sua circunstância.Os temas do pensamento antigo que mais interessavam os gregos eram a filosofia, a contemplação e a história. Os mitos. A admiração do ócio como origem da filosofia. Pode ser-se negociante e filósofo? Sim, como demonstrou a biografia e a acção de Tales. Ou o infinito princípio da compossibilidade na acção teórica e da liderança estratégica de empresas; Nicholas Negroponte e Bill Gates assumem um cunho distintivo deste paradigma. A natureza é pensada pelos gregos como mundo e como princípio. A Ciência da natureza assume-se como saber principal. Daí brotam hoje leis, princípios e métodos do infinitamente pequeno e infinitamente grande: dos átomos, da citologia à Astronomia. A natureza e o movimento, a natureza como princípio material, singular e plural, passivo, activo ou eficiente. A aparição da ontologia é uma herança grega.A filosofia antiga e as religiões orientais: o estoicismo, o neopitagorismo e o neoplatonismo: os objectos da ciência como objectos da fé. A filosofia como consolação. Nos primórdios da religião cristã surge uma possível relação lógica: a da soberba da filosofia e a postulada humildade cristã. A penetração do cristianismo pela filosofia antiga: o judaísmo alexandrino, a patrística e a escolástica árabe, judia e cristã (de que veremos mais abaixo o exemplo de Pedro Hispano).

Concluímos este nosso acervo linear com a indicação que Pedro Calafate, (Enciclopédia Logos) faz sobre Pedro Hispano (PH) e a sua grande influência ontológica Grega, aristotélica. — Filósofo e médico, nascido em Lisboa, provavelmente em 1205, fez os primeiros estudos na escola catedral olisiponense, e depois em Paris, vindo a ser nomeado Papa com o nome de João XXI.Para além do Tractatus são-lhe ainda atribuídos, embora com dúvidas, as obras Scientia libri de anima¸ Commentarium in De anima e uma obra médica intitulada Thesaurus pauperum, para além da Expositio librorum Beati Dionysii.Os seus tratados e comentários sobre o problema da alma constituem um rico manancial do saber medieval sobre a constituição anímica do homem, para além de nos indicarem a sua perspectiva sobre o âmbito da pesquisa filosófica, que em seu entender, abrange o conjunto das coisas criadas, indagando «as essências, as propriedades, as forças, as obras, a ordem, o peso, a medida, os efeitos e as causas de todas as coisas. E fá-lo, ora dirigindo o mais penetrante aspecto do seu olhar para as realidades supremas, ora descendo até às mínimas, ora circulando por entre as realidades intermédias de uma forma média, ora elaborando discursos comparativos acerca de cada uma, girando em torno das mais elevadas e das médias, e esforçando-se por investigar em cada uma delas o poder, a sabedoria e a bondade do Criador, bem como os segredos da natureza» (Scientia libri de anima, ed. de Manuel Alonso, Madrid, 1941. P. 45).A sua obra é bem a manifestação prática desta concepção teórica. Assim, do ponto de vista da ontologia e da metafísica, manifestou-se partidário do hilemorfismo universal e fiel à tradição escolástica sobre a composição dos corpos. De facto, para os escolásticos, como para PH, os corpos são compostos por dois princípios, uma matéria e uma forma, e ao conjunto desses dois princípios dá-se o nome de substância, sendo a matéria uma espécie de substracto sobre o qual actua a forma, sendo também a forma que desempenha a função essencial de especificação do ser, à luz do princípio de individuação, no sentido preciso em que é à forma que se deve atribuir a unidade entitiva do ser.Quanto à noção de alma, PH apresenta-nos uma concepção mais rica e mais minuciosa da que era tradicionalmente pensada pelos escolásticos, para quem a alma mais não seria, na tradição tomista, do que a forma do corpo. No Commentarium in De anima desenvolve o seu conceito de alma em quatro pontos hierarquicamente distintos, mas confluentes: 1- a alma como substância espiritual, definida pela sua relação com Deus, que a cria e conserva; 2- a alma na sua relação com o corpo, por ela dirigido e conservado; 3- a alma na sua relação com a sua própria essência; 4- a alma definida em comparação com as demais coisas, vista pelo prisma da privação (deffinitur per privationem).

Bibliografia activa:

A melhor edição do Tractatus é a de De Rijk, Tractatus called afterwords Sumulae Logicales, Ansen, 1972; M.H. da Rocha Pereira, Obras Médicas de Pedro Hispano, Coimbra, 1973; para os restantes textos cf. Petrus Hispanus, Obras Filosóficas. Edição, introdução e notas de Manuel Alonso, Madrid, 1944.

*Judeu transmontano
Presidente da KOAH, Director RI- CEIMOM, Membro BEIT-AKIVA