Wednesday, September 13, 2006
Mário Lino iberista
EXPRESSO, 06-05-06.
O ministro «iberista»
O cidadão Mário Lino pode ter as opiniões que entenda; o ministro, nem todas.
COMECEMOS por reproduzir a declaração, tal qual veio publicada no dia 24 de Abril pelo jornal «Faro de Vigo» «Sou um iberista confesso. Temos uma história comum e uma língua comum. Há unidade histórica e cultural e a Ibéria é uma realidade que persegue tanto o Governo espanhol como o português. Se há algo importante para estas relações são as infra-estruturas de transporte». Estas considerações foram feitas em Santiago de Compostela, Galiza, Espanha, por um cidadão português que, por acaso, é também ministro. Aliás, falava nesta qualidade, perante uma audiência composta por 150 quadros galegos da Caixa Geral de Depósitos e do Banco Simeón. Chama-se Mário Lino e tem, no Executivo português, a pasta das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Não houve até agora desmentido nem correcção que pusessem verdadeiramente em causa a declaração reproduzida, pelo que não há também motivo para se questionar a fiabilidade do jornal. Lino pensa o que diz. E di-lo, aliás, em termos que não deixam margem para segundas leituras, apesar de, em declarações ao «Independente», ter informado ontem que falava do «iberismo» aplicado à sua área específica. Ora, não se vê o que possam ter a ver com estradas, pontes ou comboios de alta velocidade a suposta «unidade história e cultural», ou com a «história e a língua comuns» que o ministro certamente inventou para sublinhar melhor o seu fervor iberista. Mesmo falseando a realidade histórica e factual que todos os portugueses conhecem. Não é concebível nem aceitável que um ministro português ignore o conceito a que corresponde a palavra «iberismo» no discurso político. E por isso não é concebível nem aceitável que a use coma displicência e ligeireza com que o fez. O insólito da situação, para não dizer o caricato, é tal que o próprio «Faro de Vigo» a estranha, observando que, «enquanto a Espanha é sacudida pelos debates sobre os estatutos autonómicos e sobre se o Estado se desmembra e se rompe como nação», vem o ministro português confessar-se «iberista» e convencido de que Espanha e Portugal «têm pela frente um futuro em comum». Quer dizer, enquanto as regiões e os povos de Espanha querem mais autonomia e algumas batalham pela independência, há no Governo do único país da Península que resistiu durante oito séculos e meio à força hegemónica de Castela, alguém que se declara defensor de uma unificação ibérica. O cidadão Mário Lino pode ter as opiniões que bem entenda, mesmo as mais bizarras. O ministro português das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, esse devia ter esclarecido o país sobre essas convicções pessoais antes de aceitar o cargo. E o facto de administrar as Obras Públicas não desvaloriza nem desagrava o seu lastimável discurso. Desde logo porque um ministro é sempre um político e como tal tem de raciocinar e intervir. Depois, não pode subsistir a menor dúvida de que as suas opções estratégicas- um aeroporto na Ota e este ou aquele traçado doTGV, por exemplo - são tomadas em função de princípios ou convicções que não correspondem minimamente às da generalidade dos portugueses, nem a qualquer doutrina do Estado ou orientação de Governo. Ninguém pode surpreender-se quando o primeiro-ministro, falando de economia e das prioridades do Governo, responde «Espanha, Espanha, Espanha». É uma evidência para toda a gente que as relações com a Espanha se impõem e devem ser incentivadas no que sejam mutuamente vantajosas. Outra coisa é o discurso político do Governo ficar contaminado pelas esdrúxulas convicções pessoais de um dos seus ministros. A menos que Mário Lino fale uma língua diferente, ou as palavras já não sirvam para nada, alguém que se proclama «iberista confesso» não deve integrar o Governo de um país cuja soberania foi conquistada precisamente contra as teses iberistas, com este ou com outro nome. Se não esclarecer o mal-entendido - admitindo, contrato dos os indícios, que ele possa ter existido -todas as suas decisões passadas e futuras ficarão sob suspeita. (Fernando Madrinha)
http://semanal.expresso.clix.pt/opiniao/default.asp?edition=1749
+++++++SEMANÁRIO, 05-05-06
A PARTIR DE AGORA, O MINISTRO IBERISTA ESTÁ SOB SUSPEITA POLÍTICA. EXCEPTO NUMA CIRCUNSTÂNCIA: SE DEIXAR DE SER MINISTRO. É O QUE JÁ DEVIA TER FEITO. E SENÃO POR INICIATIVA PRÓPRIA, POR DECISÃO SUPERIOR(...) Sejamos claros: um iberista, tal como o ministro se define, é uma pessoa que não crê que Portugal deva ser um Estado independente, que defende que na Península Ibérica só deve existir um Estado e, se não for absolutamente irresponsável ou inconsequente, fará tudo para que isso aconteça, sendo que quando se é ministro é extremamente conveniente que se deixe o diletantismo à porta do Conselho de Ministros. Isto é tudo muito estranho. A oposição, entretida com urgências internas, não reparou, muito menos criticou. Alguns comentadores tão pressurosos com a crescente alienação de empresas portuguesas para mãos espanholas, distraídos, ignoraram. Os empresários defensores dos célebres centros de decisão nacional, proventura porque o ministro ocupa uma pasta de investimento, não tugiram nem mugiram. Esta indiferença será certamente redimida quando um homem com apelido de italiano e nacionalidade brasileira pedir lá da Alemanha para os portugueses fazerem de conta que são patriotas e usarem bandeirinhas por todo o lado. Esclareço: por mim, o cidadão Mário Lino (Mário Lino Soares Correia) está no seu realíssimo direito de ser comunista, de ser socialista, de ser iberista, de ser o que ele quiser. Vivemos num país livre, apesar da sua antiga militância partidária o ter procurado evitar. Mas eu estou no meu direito de pensar que um iberista não tem condições para governar um País, por mero acaso o meu, cuja existência no mínimo discute e no máximo não deseja. Para além de governante, o ministro iberista não o é de uma pasta qualquer. Tem a responsabilidade de conduzir assuntos sensíveis para a independência efectiva dos interesses do País, face aos interesses concorrentes e nem sempre convergentes da Espanha. Transportes, comunicações, investimentos. A partir de agora, o ministro iberista está sob suspeita política. Excepto numa circunstância: se deixar de ser ministro. É o que já devia ter feito. E senão por iniciativa própria, por decisão superior. O silêncio do primeiro-ministro significa o quê? (Jorge Ferreira)