JACK SOIFER*
Jornal Negócios, 4set6
A maior fortuna deste milénio foi obtida por um jovem inovador sem capital, contra a vontade das multinacionais de tecnologia. O Skype foi idealizado por um engenheiro despedido da Ericsson, 'permitido' aperfeiçoá-lo por uns anos na Tele 2 e despedido por seu chefe: ‘trabalhamos com telefonia, não isto aí’. Na rua, continuou seu projecto que conquistou jovens americanos ao poder ouvir música de alta qualidade, sem pagar, o KaZaa. Depois juntou-se a outro jovem e, por uns meses mal sobreviveram até, sem capital, lançarem o Skype, em Agosto de 2003.
O êxito do Skype deve-se a ser gratuito e o utente deixa de pagar balurdios por telefonia num sector onde a ANACOM nem governo algum, além do francês, nada faz pelo consumidor. A facturação vem de publicidade e serviços extras. Em alguns meses cem milhões de utentes aderiram ao Skype para falar pelo computador, na maioria dos países modernos a um custo zero. Com o resto do mundo, por 10 euros o trimestre. Com milhões de utentes a usá-lo a cada minuto gera muita facturação quase sem custos; é lucro puro.
Por quê os grandes grupos de tecnologia não o quiseram? Por quê nenhum banco o financiou? Por quê nenhum governo o apoiou? Por quê a imprensa não divulgou? Por quê, apesar de todos os esforços, o Skype foi vendido à E-bay por 2 mil milhões, 2 anos após seu início de 100mil, em vez de permanecer com os inovadores? Todos acreditavam que tal ideia não seria permitida pelo lobby. Mas o cartel foi menos rápido que a informação na net. Ao trabalhar sem ganho por uns
meses e só para sobreviver por um ano, os dois jovens mostraram que, ao focar na utilidade para o utente, em vez de lucro imediato, ele acabaria por vingar em mercados realmente livres, o escandinavo, depois o norte-americano; agora no brasileiro, para desespero da Telefónica e PT. Os jovens entenderam que neste sector não se
permitem empresas independentes. Tiveram que vender o Skype a um grande grupo. E quem comprou? Nenhum dos gigantes de tecnologia, mas sim uma empresa que cresceu graças a óptimo serviço prestado ao grande público sem custo, pago pela publicidade. Skype nem E-bay estão em bolsa, nem ligados à banca. Não têm grupo estratégico nem lobby. Então qual a fórmula mágica do êxito? O bom capitalismo, i.e, foco no utente, qualidade do serviço, boa informação, zero de publicidade (a de cliente satisfeito é gratuita). Basta o livre mercado funcionar, sem máfia.
O ex-patrão, Zennstrom, diz sobre a actual telefonia: 'Para aumentar o lucro e limitar custos ela gasta em marketing a berrar 'use-nos, use-nos' quando é o mesmo serviço dos demais, técnica ultrapassada. Tecnologia é trazer algo bom para o cliente; só dá lucro a prazo, mas muito. Mudámos as regras do jogo'.
O liberalismo floriu num século sem lobby nem cartéis. Hoje a ganância de incompetentes nos impôs o ‘faroeste' do século retrasado e substituiu balas de ouro por bilhas de euro. Duas letras, mas um mundo de diferença. Pois Skype, E-bay, Linux, RyanAir, IKEA focam no cliente, sem mágica publicidade na TV, que faz de tudo por 30 moedas de prata. O bom capitalismo, conquistado por Churchill e Roosevelt, está a ser destruído pela pirataria corporativista de lobby e cartéis. Continuam os asseclas de Mussolini, Hitler e Salazar a nos dominar?
*Consultor e autor de livros como 'A Grande Pequena Empresa' e "Empreender Turismo". Está no Conselho Nacional da PME Portugal.
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