Sunday, November 25, 2007

Os Dualismos e o perigoso Pós-modernismo


André Moshe Pereira

A Y. Ben Abraham

Os melhores conhecidos e mais influentes discursos pós-modernos são muito marcados pela perda metafórica e pelo empobrecimento, de tal forma que como relata Santner a teoria crítica torna-se em larga medida uma elaboração continuada duma série sem fim de não ulteriores possíveis. De forma não totalmente surpreendente tem sido em torno do Holocausto que estas meditações se têm realizado e que permitem a observação de Blanchot de que “o desastre arruina tudo” - M. Blanchot, The Writing of the Disaster (Lincoln and London: University of Nebraska Press, 1995). É a cesura ou ruptura que deslegitima os nomes e narrativas e cuja “inefabilidade” deixa a literatura e a filosofia em busca do que se podem caracterizar pelos idiomas do irrepresentável. Outra manifestação destes idiomas de perda e empobrecimento representam o Holocausto como o resultado lógico da razão metafísica. Em Vida em Fragmentos: Ensaios na Modernidade Pós-Moderna, Zigmunt Bauman escreve “ O sonho moderno de felicidade da Razão legiferante trouxe frutos amargos. Os maiores crimes contra a humanidade… foram perpetrados em nome de uma regra racional, de melhor ordem e de maior felicidade….O romance moderno com a razão universal e perfeição provou ser uma coisa cara; também provou ser abortivo, como a grande fábrica da ordem continuou a produzir mais desordem.

Tanto Derrida como Foucault enfatizaram a seu tempo que a importância da manutenção da fé na razão iluminada para pensar nos temas epistemológicos. Foi uma tendência desde Heidegger “para iniciar um discurso especial que clama operar de fora do horizonte da razão”.

As discussões filosóficas que rejeitam o irracionalismo, que de uma forma certa ou errada, estão o mais das vezes ligadas ao pós-modernismo, têm sido desapreciadas pelos académicos. Na Europa Jürgen Habermas tem tomado a defesa da razão arguindo que a sua crítica radical esquece as suas conotações positivas e que tal crítica só pode acabar em desilusão e conservadorismo. A visão alternativa de Habermas de “razão comunicacional” busca manter a esperança que o conhecimento possa ainda, sem levantar expectativas ingénuas, promover a justiça e mesmo a felicidade humanas.
Autores há como Gillian Rose que se contam como as mais extremistas pensadoras contra o fenómeno pós-moderno caracterizando-o como “desesperante racionalismo sem razão”, e argúi estridentemente e de forma recidiva pelo zelo do pós-modernismo na desqualificação das noções universais de justiça, de liberdade e do bem… assim o pós-modernismo não tem imaginação para a sua implicação no solo da justiça, da liberdade e da verdade. A ênfase num “processo sem fim de lamento que, ironicamente, as deploradas firmezas dos pós-modernismo nunca aceitaram como tal, nem permitiram qualquer evasão. A evocação da dor, tensão e espera apática, foi substituída pelo compromisso activo na Polis e pela busca da Justiça.”

Recuperar o fundo perdido da razão pós-modernista tem sido reclamado pelo mundo pós-Holocausto. Isto está a ser obtido pela viragem que se afasta do caminho lógico dos dualismos e das falsas oposições articuladas em obras de escritores como Maurice Blanchot e Emmanuel Levinas a respeito do “equívoco” que a Razão hegeliana tornou possível. Tal razão é capaz de decompor e analisar a variância entre objectivos e os resultados que Bauman tem referido em algumas das suas obras; ela pode provocar a revisão, pode permitir o movimento de afastamento de outros resultados discordantes. É portanto, sempre provisório e preliminar e pode ser sempre redireccionado; o seu poder assimilativo pode admitir surpresas e antecipar acontecimentos e, assim sendo, pode “redescobrir nas suas fronteiras moventes” deixar o passado para trás, esquecido. Esta perspectiva proximal de pensar aceita a ansiedade e a ambivalência do poder, mas a história, em contraste com a conclusão de Blanchot, é re-investida com o significado e a significância. Rose foi clara, todavia, que pela razão ao ser restaurada, pela “alma” ao ser renovada e revigorada, o próprio processo de lamento se tornou necessário: o trauma do Holocausto, tem que ser lavrado através da Razão; se completado, a dificuldade política insurge-se como dificuldade por excelência… a aporia, a dificuldade da relação entre o universal, o particular e a sua distribuição singular teria que ser reconfigurada.
A aceitação via processo de lamento da inexorabilidade da razão efectuaria uma assimilação do Holocausto que não envolveria a condenação ao silêncio… à inefabilidade, à não representabilidade, … a algo que enfim não pudéssemos entender” G. Rose, Mourning Becomes the Law: Philosophy and Representation (Cambridge: Cambridge University Press, 1997). J.-F. Lyotard in Heidegger and the ’Jews’ (Minneapolis: University of Minnesota, 1990), 44.

Outro tema que nos agradaria expor é a vantagem clara do testemunho com que um actor como Kirk Douglas (KD) cujo nome autêntico é Issur Danielovitz Demsky, filho de um imigrante judeu da Rússia, que se tornou uma lenda em Hollywood por mais de quatro décadas expõe alguns dos seus pensamentos; é autor de sete livros que incluem a sua autobiografia "Ragman's Son" e "Climbing The Mountain" sobre o seu regresso ao judaísmo.
Evoca ele: como sobrevivemos, perdidos em diferentes partes do mundo, dentro de culturas estranhas e constantemente perseguidos? Os nossos inimigos levantaram-se e caíram e nós aqui estamos. Os Babilónios, os Persas, os Gregos os Romanos [Lembram-se da Haggadah?], todos estão fora da imagem, mas nós permanecemos. E aí… diz Issur Demsky, aliás, KD, dei-me conta de que devemos agradecer a esses judeus piedosos de barba e chapéu negro por ajudar a manter o judaísmo vivo por tanto tempo. Eles entenderam algo muito profundo que nós, os seculares, nunca entendemos. D-us deu-nos a Torah e fez que sejamos a consciência do mundo. As ideias de amor, compaixão, amabilidade aos outros e aos pobres, as ideias de santidade, do propósito humano, a reverência pela vida e disciplina pessoal, todas provêm da Torah. Inclusive, nós, os judeus, se nos esquecermos, os nossos perseguidores, nos recordam disso. Assim como disse Hitler no seu momento: “ é verdade que nós os alemães sejamos bárbaros, esse é um título de honra para nós. Eu liberto a humanidade da alma: do sofrimento degradante causado pela falsa visão chamada consciência, ética. Os judeus infligiram duas feridas à humanidade: a circuncisão nos seus corpos e a consciência na sua alma. Esses são os inventos judeus, a guerra pelo domínio do mundo, esta sendo disputada somente por estes dois campos entre os alemães e os judeus. Tudo o resto é pura decepção”. Hitler tinha razão, continua KD. Tudo é batalha entre o mal e o bem. Só me estou dando conta do que significa para nós os judeus, e dá-me medo, pois isto faz-nos ter uma responsabilidade enorme. Não há que surpreendermo-nos disso porque muitos judeus trataram pela segurança da assimilação, porém essa segurança ao final resulta num logro.

Postagem: Andre-Moshe Pereira, Presidente Kehillah Or Ahayim
Director Ceimom Porto_GAIA
andreverissimo29@gmail.com