Saturday, June 17, 2006

Arnold Wesker - O rigor cintilante da nossa identidade Judia


André Veríssimo, Pres. KoaH


Com Martha (cinquenta e dois anos) Joshua (cinquenta e cinco anos) Connie (vinte e sete anos) desenvolve-se uma narrativa sobre o sofrimento e a identidade judaica. Para além das imbecilidades próprias dos que querem naturalizar os actos rituais. Ocidentalizá-los ou integrá-los. O texto (belíssimo) de Arnold Wesker Quando Deus quis um filho, versão de Constança Carvalho Homem. Grupo Ensemble.


A ideia de representar a realidade por meio da língua, que nos habilitaria a descobrir um contexto único para todas as vidas passadas, precisa de ser descartada (Rorty, apud KA-P:181 e ss.). Depois a intencionalidade e o ser defrontam-se como de resto se sabe: -- o que decide sobre o ser humano os actos ou o que está aquém e para lá deles? Com este pensamento confiamos esta leitura.


A vida, o eu, a tragédia, o pensar assumem aqui uma desconstrução face aos valores clássicos, e um energetismo imaginativo devido a serem pensados como instância criadora., como obra de arte. Connie não consegue ter piada… apesar da resolução do tribunal rabínico ser apropriada e um pouco irónica (caso: o pão com manteiga) … Estivemos a pé toda a noite. Éramos sete. Os mais sábios da região. Rezámos, discutimos, consultámos os livros sagrados. Um de nós até se aventurou na Cabala à procura de sentido da tua torrada, que caiu com a manteiga para cima. E concluímos – (desespero e tristeza) que deves ter barrado manteiga do lado errado.” (Cena I).


“Um homem pode começar a beber porque se sente um fracasso e depois fracassar completamente porque bebe. É o que está a acontecer à Língua Inglesa” (George Orwell). – Dito de Connie: Isto foi quando o pai pensou que eu ia ser filóloga (…) Ou alcoólica! (Connie: Cena IV). Connie para o pai (Joshua: Cena VII – Segundo Acto ) Acho que devias ter sido Rabino. (…). Os Rabinos não acreditam Deus, só o usam para controlar os judeus indomáveis. (Joshua: Como é que sabes? Só és metade judia. E logo a metade errada.) Ainda bem que Joshua pensa de si: na minha opinião, todas as opiniões são provisórias, mesmo o Eclesiastes… ( não conclui)- (Cena IX, Acto segundo).


O lugar onde o paradoxo duma linguagem completamente figurativa é levada ao extremo. A Identidade tribal ou de Povos: ou seja a judaica e as outras – a finalidade é conseguir chegar à mais importante percepção da condição humana. Só existem mesmo os que espremem a paste de dentes a partir de baixo e os que espremem a pasta de dentes a partir do meio. Todas as outras divisões entre as pessoas são triviais, irrelevantes (Connie: CenaVI.) Contestação de Martha: Não é só a tribo “dele” [Joshua – o judaísmo] que é antiga. (…) Séculos! E metade de ti sou eu, não te esqueças. O problema haláchico do casamento misto resulta deste núcleo conflitual. O normativismo judaico pode imperar sobre síntese dos elementos e categorias da desordem dos outros valores? Pode haver em simultâneo o sim e o não? O mundo divide-se: dividido está: entre os que são gordos e magros, altos e baixos, os que ouvem e os que falam, os que amaldiçoam a vida e os que a apreciam (Connie: Cena VI). O que é a Verdade? Be Emet?( ver Cena XIX – última fala de Martha) Ex. Aprendeste a dizer “claustrofóbico” antes de saberes dizer “fofinho”. “Céptico” antes de” mamã”. Georg Lichtenberg disse:” É impossível levar o archote da verdade para o meio da multidão sem chamuscar a barba de alguém.” (Connie, Cena XX).


O desencadear dos recursos retóricos não deixa de submeter à ilusão do princípio da racionalidade a reinterpretação retórica da filosofia; a uma ilusão inicial constrangida pelos fenómenos ficcionais da “conservação da vida” não se segue a decifração do enigma do pensar; Em Martha (Cena XI) isto pode dizer-se desta forma: aquilo que tenho também não tenho! Sou duplamente abençoada: por possuir e por não ter sido desapossada. Cada estado equivale a dois estados. Sei que tenho razão.


O natural e o convencional assume aqui um novo reviramento perante a complexidade da designação das coisas, dos objectos por meio de palavras. A não-correlação entre o nome e a coisa impõe uma não-convergência entre dois níveis de linguagem: a literal e a figurativa – sendo que a realidade se impõe através de “substituições voluntárias e substituições de nomes” na origem. Joshua: Martha, (Cena IX): Todo o dinheiro vale do dobro do seu valor! Joshua (Cena VII): cada palavra é dita numa nota. As palavras acrescentam sentido. As notas acrescentam sentido. Por vezes, o sentido de uma palavra coincide com o sentido de uma nota. Por vezes são diferentes. Por vezes variam entre si.(…) Um mais um são dois. Um mais um são do-ois.


Apesar do carácter fragmentário de Arnold Wesker assume a veia sarcástica e radical. Mantendo o Carácter puramente fenoménico igualmente do mundo interior, tudo o que nos faz consciente, é de um extremo a outro, previamente regulado, simplificado, esquematizado, interpretado: Connie (Cena XIX): -- os artistas são um bocado como os Judeus. Não só se comportam como se possuíssem a verdade, como ainda sentem necessidade de a transmitir. E também ninguém gosta muito deles.


E uma bircat linda: Connie: (Cena XX): Em tempos prometi talento. Em tempos fui uma força. Prende-me. Isto passa. Ó Deus, que estás no céu e prometes um sentido, não me abandones. Não deixes que me estilhace e despedace. Abraça-me. Consola-me. Prende-me prende-me ó isto passa. O que não passa a récita dos trabalhos do homem e a bênção do vinho Cena IX, Seg. Acto: ….Baruch atah Adonai Eloheinu melech haolam boreh perí haguefen…dito por Martha, em todos os sentidos….


Assumir a fenomenalidade do mundo interior é alinhar uma conexão íntima com a “causalidade” externa, construindo uma ilusão que dissimula o jogo das formas de representação sob o artifício da ordem. (Joshua: Cena XXI). O aparecimento de Joshua e a razão do título: -- O filho pródigo voltou! A guerra chegou ao fim! Façamos das nossas espadas alfaias. Não se esqueçam: quando Deus quis um filho, enfiou-se nas saias de uma Judia.


Imaginar um substrato do sujeito mesmo e do outro; entre o mesmo e os seus actos pondo em causa a relação de causalidade e efeito e variando-as infinitamente na ordem da sucessão. O pensamento do Eu sendo imaginário e o Eu sendo um efeito de um efeito que gera um surpreendente sintoma de falta de congruência na acção ou falha na consciência do agir intencional. A máquina de Joshua. (Joshua Cena III, Segundo Acto). Uma máquina sensível às melodias…