Thursday, March 13, 2008

A felicidade e o privilégio


Andre Moshe Pereira

Pres. Or Ahayim

Ao Rav Dovid Oppenheimer, Mestre e Guia, Pelo auxílio prestado à Or Ahayim


Hashem reina, Ele está vestido com majestade.


Da psicanálise procuramos o étimo de felicidade.
Se os bens materiais básicos estiverem plenamente satisfeitos seremos felizes?
Os bens materiais podem ser satisfeitos mas o próprio excesso de consumo engendrar a infelicidade.
Alguns autores proclamam a necessidade da experiência da penúria – não há café depois não há peixe, finalmente não há rádio nem televisão.
Essa experiência lembra às pessoas a vontade de poderem sobreviver com o pouco que possuem. A vida continua. A vida é bela. Mas trágica às vezes.
Isso todavia não autoriza a gramática do interior em que cada um se refugia como forma de isolamento.
Tudo o que corre mal é normalmente para as mentes mórbidas imputável ao outro. O que é o outro? O outro é o partido, o marido, a mulher, a empresa, os pais, o cão e o gato, o tempo, a Madonna, a vida, a memória, a lembrança, o rio e o mar, a força e a debilidade, o grego e o troiano, a paz e a guerra, o sentimento e a razão e a nossa própria sombra.
Para a compreensão deste tipo de leitura precisamos de ver o quanto o desejo é de facto a força que obriga as pessoas a irem mais longe: mais longe, pensamos, para chegarem a um sistema onde decididamente a maioria é mais infeliz.
Ora a felicidade segundo SZ e Alain Badiou é uma categoria do ser e dificilmente da verdade. A felicidade é confusa, indeterminada e inconsistente… a felicidade não é um fim em si como procura revelar o cristianismo em geral.
A actividade política – (a política autista e prepotentemente invasora dos direitos sociais e políticos pela ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues é um sinal de felicidade da ministra – uma espécie de actividade religiosa: crê que pode em nome da decisão pura e “omnipotente”, cindir, desfazer e refazer uma escola pública -- cada vez mais desfasada dos seus fins e competências e genericamente sem qualidade -- sem os protagonistas especializados (os docentes) ou contra eles a favor dos decisores ministeriais burocratas “reconcentracionários” do ministério da justiça e da educação ou da força social local com interesses instrumentais (autarquias) ou genéticos (pais) – essa é pois uma dessas experiências. Este é um princípio de prazer do Estado que só pode ser moderado pelos ajustamentos da acção que contrariem o gospel de felicidade ou o taoísmo acrítico das emendas no sistema de ensino que começam a meio dum ano irénico.

Outra maneira de entender a felicidade é a incapacidade ou indisponibilidade do sujeito de se confrontar plenamente com o seu desejo. Eu posso desejar algo do meu desejo que na realidade não desejo: fico assim entalado na inconsistência do desejo.
Desejamos algo que nos acontece e que nos é doado oficialmente. A felicidade de sonharmos, com dadas coisas, que não desejamos verdadeiramente. A defesa do interesse público das escolas ou da televisão, do pleno emprego etc., nunca serão satisfeitas pelo sistema capitalista: são apenas pedidos endereçados por determinados actores políticos para desmascarar a impotência do Estado. Outro lado da questão não é tanto o pedido da satisfação plena ou da estratégia de resolução dos males societais mas a dúvida sobre a seriedade sobre aqueles que tal exigem, ou seja, a sua fraca vontade de verem esses direitos realizados.

O privilégio de determinados pedidos ou exigências assenta na congruência de eles não serem nunca realizados. O capitalismo é a outra face do radicalismo de esquerda. Se apostarmos desta forma sabemos que a distância entre o que se diz e que se faz pode unicamente ser vencida se o realismo e a impossibilidade se harmonizarem. Ora isso nunca sucede. Dessa forma os mais críticos do sistema capitalista especialmente os universitários de esquerda são os que mais gozam plenamente dos privilégios que o sistema nos oferece.
Entre uma pulsão de saber e a natureza inata da curiosidade humana existe uma natureza espontânea do homem que assenta na resistência humana à vontade de saber mais. O verdadeiro progresso do conhecimento pode elidir a ilusão romântica da felicidade: qualquer verdadeiro progresso no saber e na consciência se obtém pelo combate doloroso contra essa propensão espontânea de resistência. Ou outro de mim assoberba aí a minha condição de assujeitamento do saber e não de vontade em dominar o que se concebe como elo ou correia mecânica.
Edith Wharton no final de A Idade da Inocência explica ZiZek quando intui em Jacques Lacan o saber do saber do Outro e explica como é complexo no meio humano o conhecimento que vem de fora e essa espontânea resistência pelo ocultamento: “o marido, que toda a vida alimentou uma paixão culpada pela condessa Olenska, fica a saber que a sua jovem esposa estava desde o início ao corrente da natureza secretamente apaixonada da sua relação”. As dificuldades de autonomia e responsabilidade são as mais complexas quando heteronomamente implicam o outro de mim. Mesmo que me escorracem do palácio me desterrem da terra me deportem da língua que sempre me acompanhou não me importo; mas quando me separaste de ti, os meus ossos apagaram-se, as chamas vivas abrasam-me: eu estou expulso de mim (Vd. Judah al-Haziri)