Sunday, March 25, 2007

Da nudez e da ignorância


Andre Moshè Pereira*


À Drª Guilhermina Leal


Certamente que o nosso leitor saberá que escrever num jornal como o Janeiro – OPJ é importante. Muito Relevante. Deveras lógico para um jornal sem dependências nem amarras ideológicas sem conspícuas e enclavinhadas reverberações sócio-sindicais ou idiossincrásicas.
Artigos como os de Levi Guerra não só são importantes como imprescindíveis, notáveis e belos. Gerados no acesso fundo duma das mais notáveis profissões de alguns que dela são dignos como uma verdade que o Autor e Professor universitário verte como sinal da sua imensa sabedoria e cosmovisão estética e lavor escriturístico de modo queiroziano a par dum outro escritor talentosíssimo como Paulo Ferreira da Cunha e os impérios da universalidade lusófona tratados na sua última impressão em OPJ.


Outra coisa são os que revelam uma amável prosápia para a serialidade dos argumentos ingénuos ou pós-críticos baseados na estrutura que os guia sem crítica e sem sabor. Temos vários casos reaprendidos na amálgama dos textos dos jornalistas de causas e das estrelas pop que na poeira estelar do momento aparecem e desaperecerão como por virtude do céu que de azul passa a negro está nesse caso o artigo dum adicto da humorística com o bom artigo: O Allgarve fica em Poortugal de R. A Pereira, Visão, N. 733, 22. Mar.2007, p. 170, na crítica veemente que faz ao ministro actual da Economia no jogo gozado das palavras all e poor que prefixam a província e o nosso solo pátrio ou mátrio.


Nem todos podem ser Balzacs e Steinbecks mas na verdade pululam os candidatos direitinhos a nobelizáveis. Depois admiro as pessoas da geração nintendo e portátil pós-rasca e pós-X que para tudo, nesta rara elite, se tem um apetite por artigos e leituras flesh and bone de matérias cómicas e dramáticas de Borges e Bioy Casares, Bergson, a Celine e Auster. Umberto Eco e Luís de Camões por vezes e raramente M.Bakhtine ou Howard Rheingold ou J. Meyrowitz… O que eu mal sinto como humano é o rafeirismo noctívago dos extra-mestres de agenda editorial que não escrevem mas criticam como se soubessem ainda pensar. Não falo do Romance numa Cabeça ou dos arquipélagos da escrita de João Gaspar Simões ou do Castelo do Barba Azul de G. Steiner e a sua crítica logocrática. Nada produzem tais editores mas colmatam a sua devotação literária com a inteligência arguta dos métodos de construção do texto literário na norma de Carlos Reis ou de Amorim de Carvalho o que não é pouco. Apenas anedótico vindo de quem vem. Será apenas uma ilusão (ignorância) que se vejam imensos produtos escritos (obras) com a vantagem de se considerarem leitores e fazedores de obras? O que é um autor? Quem refaz a imensa trama do discurso humano que é um texto num contexto que se autocompreende?


Quem não se sente nu? Quem não revisita a belíssima lição com saudade de Jacinto Prado Coelho e os seus Dispersos e a sua heterocrítica pessoana e do mesmo João Gaspar Simões acerca de Herbert Read: “Herbert Read é aliás, entre todos os críticos e esteticistas ingleses contemporâneos, aquele que mais perto está das ideias que informaram a geração a que pertenço. A sua crítica ao classicismo esterilizante bem como a sua crítica à arte subsidiária das ideias políticas e sociais fazem dele um dos mais prestigiosos representantes das letras britânicas de uma concepção literária hoje activamente combatida pelos partidários da arte como meio, não como fim.” (Simões, J.G., Novos Temas, Velhos temas – Ensaios de literatura e estética literária, Lisboa: Portugália Editora, 1967:c. XXX)


Quando se fala de nudez falamos da nudez literária ou do corpo-próprio? O filósofo judeu, como nós, muito além de nós, Emmanuel Levinas reitera esta saga do corpo na sua presença impresente ou na sua livre premência dum ser aberto sem intimidade ou como espírito ou emoção pura emergente dum rapto estético ou resgate ético: “na nudez envergonhada não se trata somente da nudez do corpo. Mas não é por acaso que sob a forma tenaz do pudor a vergonha se relaciona em primeiro lugar ao nosso corpo. (…) O que aparece na vergonha é assim precisamente o facto de estarmos fixados a nós mesmos, a impossibilidade radical de fugir para dos escondermos de nós mesmos, a presença irremissível do eu em si mesmo. A nudez é envergonhada quando é a manifestação do nosso ser, da sua intimidade última. E a do nosso corpo não é a nudez de uma coisa material antítese do espírito, mas a nudez do nosso ser total em toda a sua plenitude e solidez, da sua expressão mais brutal de que não poderíamos não lavrar acta. O apito que engole Charlie Chaplin em «Luzes da Ribalta» faz rebentar o escândalo da presença brutal do seu ser; é como o aparelho registador que permite desvelar as manifestações discretas duma presença que o trajo lendário de Charlot dissimula porém, com dificuldade. Quando o corpo perde o seu carácter de intimidade, esse carácter de existência dum si mesmo, cessa de ser envergonhado. Tal o tronco nu do pugilista. A nudez da bailarina de music-hall que se exibe — quaisquer que sejam os efeitos que daí espere o empresário — não é necessariamente a marca dum ser envergonhado pois que o seu corpo pode aparecer-lhe com esta exterioridade a si mesmo que o cobre por isso mesmo. Nem tudo o que está sem vestimenta está nu” (Emmanuel Levinas, Da Evasão, Estratégias Criativas, Porto 2001, c. V). E ser nu assim não é estar bem vestido? Ou melhor, ser homem? Ser autor?
Shavua Tov
Have a great Pesach

Presidente da KoaH, Judeu marrano