Friday, October 08, 2010

Lech Lechá

Lech Lechá 


O particular e o universal no judaísmo

Muitas vezes o judaísmo é criticado por ser fechado. Segundo essa observação, os judeus ocupam-se apenas deles, não querem contato com não judeus e acreditam que são o povo escolhido por serem naturalmente melhores do que os demais.

A parashá que inicia o caminho de Avraham, o primeiro hebreu, nos mostra uma realidade bem diferente. O primeiro mandamento que recebe o patriarca - e através do qual se torna patriarca desse povo acusado de ser particularista - é: “Vai-te da tua terra, da tua pátria, da casa de teu pai, à terra que te mostrarei... e seja benção... para que em ti sejam abençoadas todas as famílias da terra”. Ou seja, ele deve justamente abandonar a pátria particular, a casa particular e se entregar a uma causa geral cujo objetivo é a benção da humanidade inteira.

É verdade, para isso irá a uma terra determinada e fará uma viagem para si mesmo (Vai-TE − a ti mesmo), mas o objetivo final são todos. O judaísmo é particular porque não se impõe, porque não persegue, porque não tenta converter, porque não acredita ser o único caminho. Mesmo assim, quer trazer a benção a todos, a sua benção particular, sem impor, sem converter. Todos são igualmente dignos e destinatários dessa benção.

Normalmente é assim: o que temos a dar para fora de nós é aquilo que é especial em nós. Para podermos contribuir precisamos desenvolver a nossa unicidade, aquilo que nos faz únicos. S.R.Hirsch, que viveu na época da Emancipação no centro da Europa, dizia que é justamente a abertura cultural da Europa que convida os judeus a contribuírem com sua particularidade, a realizarem a sua missão universal de aportarem a sua particularidade judaica. Na era moderna o judeu não é chamado a se assimilar e sim a se aproximar da sua identidade, ser mais ele mesmo, pois é em virtude disso que será valorizado.

As contas morais, políticas e existenciais

Nesta parashá, Avraham acumula muito sucesso, conquista bens econômicos significativos, salva-se de ameaças e salva reis em meio a guerras injustas. Ao voltar vitorioso da guerra, Deus diz a ele: “Não tema, Eu cuidarei da sua recompensa”. Os comentários tradicionais se perguntam: do que poderia temer Avraham uma vez que obteve tanto sucesso, uma vez que a recompensa justamente estava na sua mão? Destacarei quatro das múltiplas respostas que foram sugeridas ao longo da história de leituras empáticas: a) Avraham temeu ter atropelado e matado na guerra inocentes que estavam misturados entre criminosos; b) Avraham temeu pela integridade moral dele mesmo pelo fato de ter matado mesmo justificadamente. A guerra machuca e estraga a humanidade em todos os casos; c) Avraham temeu a possível represália dos descendentes daqueles que perderam a guerra, mesmo sabendo que foram culpados, levando a uma escalada interminável de violência; d) Avraham temeu pelos efeitos de seu sucesso. Assim como tememos o fracasso, existe o temor do sucesso, que pode gerar inveja nos demais, arrogância própria e falta de autocrítica, necessidade (interna - psicológica; ou externa - teológica, mística) de compensar o bem com algum mal neste mundo ou em outro, nesta dimensão ou em outra. Como se o mundo e a vida tivessem equilíbrios rígidos que precisam se manter a fim de manter a saúde das pessoas e de sua educação. Ter e não ter, conquistar e perder. Talvez essa seja uma possível explicação para a expressão da famosa benção dos sacerdotes que começa dizendo “ievarechechá Ad-nai veishmerecha”, ou seja, Deus te abençoe e te cuide. Te cuide de ter recebido a benção, te cuide da própria benção, de como esta será administrada por você, de como você será visto pelos demais por ter recebido a benção e  de como será visto por você mesmo depois de ter consciência de ter recebido a benção.

Recebamos bênçãos, sejamos bênçãos, cuidemos das bênçãos e cuidemos de tudo que nos cerca através delas e por elas.

Shabat Shalom,
Rabino Ruben Sternschein