Sunday, July 13, 2008
Da paz e direitos do homem: elementos
Andre Moshe Pereira
Presidente Or Ahayim
À Sónia Maria, música das Esferas de Arquimedes
Ao M. Barreiro, ilustre chaver, Poeta e Músico
Em princípio, é essencial que apresentemos algumas das definições e considerações sobre paz, guerra e direitos do homem para, a partir daí, indicarmos os debates e as vias apontadas no pensamento de Bobbio. Em artigo, sob o título A ideia da paz e o pacifismo (Bobbio, 2003, pp. 137-163), Bobbio reserva algumas páginas para considerações ao conceito de paz (ibid., p. 138-147). Mais do que defini-la propriamente, inicia um debate sobre as concepções existentes e possíveis de serem consideradas à luz da teoria política. A paz geralmente é apresentada num sentido negativo, enquanto o sentido positivo é atribuído à guerra, portanto paz seria o estado de não guerra. Assim, todas as situações estariam abrangidas ou num ou noutro momento. De qualquer forma, esta é uma concepção demasiado restritiva de paz, além de não tencionar uma paz duradoura.
A questão é considerar que ambos, paz e guerra podem ser dados no sentido positivo, e entre os dois extremos uma zona intermediária que pode ser uma trégua ou um armistício, que não é guerra nem paz, ou “não é guerra, mas ainda não é paz” (ibid., p. 144). Dessa forma, paz e guerra não ocupam toda a extensão das relações entre Estados. Cita o jurista italiano, após apresentar definições daquele que considera um dos mais destacados peace researchers da actualidade, Johan Galtung, que a paz positiva é a que se pode instaurar somente por meio de uma radical mudança social ou que, pelo menos, deve caminhar concordante com a promoção da justiça social, a eliminação das desigualdades etc. (Cf. Bobbio, O problema da guerra e as vias da paz. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 2003).
Sendo assim, a paz universal e duradoura, compreendida como ausência de guerra, não é por si só a salvação da humanidade, pois outros problemas terão de ser enfrentados, como o da justiça social, da liberdade, da fome, da sobrepopulação etc. (ibid., p. 147). O sentido que tencionamos dar, portanto, da forma atribuída por Bobbio, com suporte nas ideias de Johan Galtung, é o da paz positiva, não como um fim último, mas um fim-meio ao progresso social, a partir dos direitos do homem.).
Nos textos de Norberto Bobbio é bem assinalada a concepção de direitos do homem como direitos históricos, pertencentes a uma época e lugar, nascidos em certas circunstâncias, de modo gradual, “não todos de uma vez e nem de uma vez por todas” (Bobbio, A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5). Para ele os direitos do homem constituem uma classe variável, “como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. Já sobre a questão dos fundamentos dos direitos do homem, Bobbio é claro na medida em que se posiciona asseverando que não há um fundamento absoluto. São direitos que variam conforme a época e a cultura, prova de que não são direitos fundamentais por natureza. De tempos em tempos vai-se ampliando o inventário de direitos, o que impossibilita atribuir fundamento absoluto a direitos historicamente relativos. “Essa ilusão já não é possível hoje; toda a busca do fundamento absoluto é, por sua vez, infundada” (Bobbio, 1992, p. 330, 17), pois para ele não se deveria falar em fundamento dos direitos do homem e sim em fundamentos, “de diversos fundamentos conforme o direito cujas boas razões se deseja defender” (ibid., p. 20).
Para encerrar o debate sobre a fundamentação dos direitos do homem, após diversas considerações, afirma que “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político” (ibid., p. 24). No mesmo sentido diz Adriano Moreira: “a perversão do nosso tempo é que o terrorismo global aponta para um sistema que introduz valores religiosos no conceito estratégico que proclama, e oferece a salvação em troca da conquista do poder pela vitória armada. Esta via exige uma convergência das grandes lideranças espirituais do mundo, falando à sociedade civil mundial, transfronteiriça e transnacional, para que os valores comuns sirvam de alicerce a uma intervenção solidária a favor da paz. (Vd. Adriano Moreira, A paz e o Multiculturalism, alocução na Universidade de Évora em 20 de Janeiro de 2006). Pensemos em Michel Foucault, em L’Ordre du discours, Leçon inaugurale ao Collège de France prononcée le 2 décembre 1970, Éditions Gallimard, Paris, 1971, quando refere em termos similares que a paz não é definível “assim como a medicina não é constituída pela totalidade do que se pode dizer de verdadeiro sobre a doença; a botânica não pode ser definida pela soma de todas as verdades que dizem respeito às plantas. Há duas razões para isso: em primeiro lugar, a botânica ou a medicina, como qualquer outra disciplina, são feitas tanto de erros quanto de verdades, erros que não são resíduos ou corpos estranhos, mas que têm funções positivas, uma eficácia histórica, um papel muitas vezes indistinto do das verdades”. Mas por outro lado, para que uma proposição pertença à botânica ou à patologia, é preciso que ela responda a condições que em certo sentido são mais estritas e mais complexas do que a pura e simples verdade: em todo o caso, há outras condições. E no mesmo discurso continua Adriano Moreira: (…) Também a UNESCO, assumindo que a nossa época está a experimentar uma crise de valores, reuniu num livro de 2004, intitulado The future of values, meditações fundamentais sobre – The future of values –, Globalization, New Technologies and Culture, – Towards New Social Contracts? – Science, Knowledge and Foresight. Relembrando Paul Ricoeur, Henri Michaux, François Ost, Marcel Gauchet, entre outros, inclui nas conclusões esta sentença do mestre Max Weber: “the possible will not be achieved unless the impossible is attempted over and over again in the world”. Talvez um dos desafios mais importante esteja na urgência do proposto ethical contract para uma sociedade global com desafios planetários, incluindo aprender a respeitar a natureza, a valorizar as diversidades culturais, a assegurar os direitos humanos e a segurança, a implantar o valor da cidadania mundial. Este último objectivo está intimamente relacionado com a evolução do modelo nacional como referência orientadora das comunidades políticas, para o multiculturalismo da humanidade sem fronteiras. A experiência tem demonstrado o predomínio de uma espécie de teologia de mercado, que descontrola as migrações das áreas da geografia da fome em direcção à cidade planetária do norte do mundo, onde as sociedades são afluentes, de consumo, a caminho de substituir o músculo pela máquina e a memória pelo computador, e a transferir o trabalho menos qualificado para imigrantes. Saudamos aqui o Prof. Adriano Moreira pelo excelente trabalho de análise em torno do Estado de Israel nestes seus 60 anos imensos e gloriosos e que ouvimos na Reitoria da Universidade de Coimbra e que esteve recentemente num centro de pesquisa universitário em Gaia, também por nós fundado, com iniciativa e convite do Prof. Doutor Adriano Vasco Rodrigues e outros colegas.
Já segundo Noam Chomsky a fome é cada vez mais um problema sério no mundo: (Noam Chomsky A nova guerra contra o terror in Estud. av. vol.16 no.44 São Paulo, Jan./Apr. 2002): “O Programa Mundial de Alimentação das Nações Unidas, de longe o mais importante, pôde ser retomado três semanas depois, no início de Outubro (2001), ainda que em níveis mais baixos, e a remessa de alimentos foi parcialmente restabelecida. Mas não existem mais funcionários de agências humanitárias dentro do Afeganistão, de modo que o sistema de distribuição, que fora suspenso logo que os bombardeios começaram, está prejudicado. A ajuda internacional foi restabelecida, mas num ritmo bem mais lento, enquanto as agências humanitárias denunciavam com veemência que os pacotes de alimentos lançados por aviões norte-americanos eram meros instrumentos de propaganda que provavelmente estavam fazendo mais mal do que bem. Estou agora citando o London Financial Times. Após a primeira semana de bombardeios, The New York Times noticiou numa página interna, no meio de uma coluna sobre outro assunto, que segundo cálculos das Nações Unidas haveria em breve 7,5 milhões de afegãos sofrendo necessidades desesperadoras, sem terem sequer pão para comer. Em algumas poucas semanas começaria o severo Inverno afegão, tornando a entrega e distribuição de víveres praticamente impossível em muitas áreas. Além disso, e continuo citando, com bombas caindo em toda a parte, o ritmo das entregas caíra para metade do que seria necessário. Tudo isso num comentário informal”.
A efectivação da maior protecção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana, que ao mesmo tempo não pode ser tratada de forma isolada, sob pena nem sequer compreender o problema na sua real dimensão. “Só nesse contexto é que podemos aproximar-nos do problema dos direitos com sentido de realismo. Não podemos ser pessimistas a ponto de nos abandonarmos ao desespero, mas também não devemos ser tão optimistas que nos tornemos presunçosos” (Bobbio, 1992, p. 45).
Presidente Or Ahayim
À Sónia Maria, música das Esferas de Arquimedes
Ao M. Barreiro, ilustre chaver, Poeta e Músico
Em princípio, é essencial que apresentemos algumas das definições e considerações sobre paz, guerra e direitos do homem para, a partir daí, indicarmos os debates e as vias apontadas no pensamento de Bobbio. Em artigo, sob o título A ideia da paz e o pacifismo (Bobbio, 2003, pp. 137-163), Bobbio reserva algumas páginas para considerações ao conceito de paz (ibid., p. 138-147). Mais do que defini-la propriamente, inicia um debate sobre as concepções existentes e possíveis de serem consideradas à luz da teoria política. A paz geralmente é apresentada num sentido negativo, enquanto o sentido positivo é atribuído à guerra, portanto paz seria o estado de não guerra. Assim, todas as situações estariam abrangidas ou num ou noutro momento. De qualquer forma, esta é uma concepção demasiado restritiva de paz, além de não tencionar uma paz duradoura.
A questão é considerar que ambos, paz e guerra podem ser dados no sentido positivo, e entre os dois extremos uma zona intermediária que pode ser uma trégua ou um armistício, que não é guerra nem paz, ou “não é guerra, mas ainda não é paz” (ibid., p. 144). Dessa forma, paz e guerra não ocupam toda a extensão das relações entre Estados. Cita o jurista italiano, após apresentar definições daquele que considera um dos mais destacados peace researchers da actualidade, Johan Galtung, que a paz positiva é a que se pode instaurar somente por meio de uma radical mudança social ou que, pelo menos, deve caminhar concordante com a promoção da justiça social, a eliminação das desigualdades etc. (Cf. Bobbio, O problema da guerra e as vias da paz. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 2003).
Sendo assim, a paz universal e duradoura, compreendida como ausência de guerra, não é por si só a salvação da humanidade, pois outros problemas terão de ser enfrentados, como o da justiça social, da liberdade, da fome, da sobrepopulação etc. (ibid., p. 147). O sentido que tencionamos dar, portanto, da forma atribuída por Bobbio, com suporte nas ideias de Johan Galtung, é o da paz positiva, não como um fim último, mas um fim-meio ao progresso social, a partir dos direitos do homem.).
Nos textos de Norberto Bobbio é bem assinalada a concepção de direitos do homem como direitos históricos, pertencentes a uma época e lugar, nascidos em certas circunstâncias, de modo gradual, “não todos de uma vez e nem de uma vez por todas” (Bobbio, A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5). Para ele os direitos do homem constituem uma classe variável, “como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. Já sobre a questão dos fundamentos dos direitos do homem, Bobbio é claro na medida em que se posiciona asseverando que não há um fundamento absoluto. São direitos que variam conforme a época e a cultura, prova de que não são direitos fundamentais por natureza. De tempos em tempos vai-se ampliando o inventário de direitos, o que impossibilita atribuir fundamento absoluto a direitos historicamente relativos. “Essa ilusão já não é possível hoje; toda a busca do fundamento absoluto é, por sua vez, infundada” (Bobbio, 1992, p. 330, 17), pois para ele não se deveria falar em fundamento dos direitos do homem e sim em fundamentos, “de diversos fundamentos conforme o direito cujas boas razões se deseja defender” (ibid., p. 20).
Para encerrar o debate sobre a fundamentação dos direitos do homem, após diversas considerações, afirma que “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político” (ibid., p. 24). No mesmo sentido diz Adriano Moreira: “a perversão do nosso tempo é que o terrorismo global aponta para um sistema que introduz valores religiosos no conceito estratégico que proclama, e oferece a salvação em troca da conquista do poder pela vitória armada. Esta via exige uma convergência das grandes lideranças espirituais do mundo, falando à sociedade civil mundial, transfronteiriça e transnacional, para que os valores comuns sirvam de alicerce a uma intervenção solidária a favor da paz. (Vd. Adriano Moreira, A paz e o Multiculturalism, alocução na Universidade de Évora em 20 de Janeiro de 2006). Pensemos em Michel Foucault, em L’Ordre du discours, Leçon inaugurale ao Collège de France prononcée le 2 décembre 1970, Éditions Gallimard, Paris, 1971, quando refere em termos similares que a paz não é definível “assim como a medicina não é constituída pela totalidade do que se pode dizer de verdadeiro sobre a doença; a botânica não pode ser definida pela soma de todas as verdades que dizem respeito às plantas. Há duas razões para isso: em primeiro lugar, a botânica ou a medicina, como qualquer outra disciplina, são feitas tanto de erros quanto de verdades, erros que não são resíduos ou corpos estranhos, mas que têm funções positivas, uma eficácia histórica, um papel muitas vezes indistinto do das verdades”. Mas por outro lado, para que uma proposição pertença à botânica ou à patologia, é preciso que ela responda a condições que em certo sentido são mais estritas e mais complexas do que a pura e simples verdade: em todo o caso, há outras condições. E no mesmo discurso continua Adriano Moreira: (…) Também a UNESCO, assumindo que a nossa época está a experimentar uma crise de valores, reuniu num livro de 2004, intitulado The future of values, meditações fundamentais sobre – The future of values –, Globalization, New Technologies and Culture, – Towards New Social Contracts? – Science, Knowledge and Foresight. Relembrando Paul Ricoeur, Henri Michaux, François Ost, Marcel Gauchet, entre outros, inclui nas conclusões esta sentença do mestre Max Weber: “the possible will not be achieved unless the impossible is attempted over and over again in the world”. Talvez um dos desafios mais importante esteja na urgência do proposto ethical contract para uma sociedade global com desafios planetários, incluindo aprender a respeitar a natureza, a valorizar as diversidades culturais, a assegurar os direitos humanos e a segurança, a implantar o valor da cidadania mundial. Este último objectivo está intimamente relacionado com a evolução do modelo nacional como referência orientadora das comunidades políticas, para o multiculturalismo da humanidade sem fronteiras. A experiência tem demonstrado o predomínio de uma espécie de teologia de mercado, que descontrola as migrações das áreas da geografia da fome em direcção à cidade planetária do norte do mundo, onde as sociedades são afluentes, de consumo, a caminho de substituir o músculo pela máquina e a memória pelo computador, e a transferir o trabalho menos qualificado para imigrantes. Saudamos aqui o Prof. Adriano Moreira pelo excelente trabalho de análise em torno do Estado de Israel nestes seus 60 anos imensos e gloriosos e que ouvimos na Reitoria da Universidade de Coimbra e que esteve recentemente num centro de pesquisa universitário em Gaia, também por nós fundado, com iniciativa e convite do Prof. Doutor Adriano Vasco Rodrigues e outros colegas.
Já segundo Noam Chomsky a fome é cada vez mais um problema sério no mundo: (Noam Chomsky A nova guerra contra o terror in Estud. av. vol.16 no.44 São Paulo, Jan./Apr. 2002): “O Programa Mundial de Alimentação das Nações Unidas, de longe o mais importante, pôde ser retomado três semanas depois, no início de Outubro (2001), ainda que em níveis mais baixos, e a remessa de alimentos foi parcialmente restabelecida. Mas não existem mais funcionários de agências humanitárias dentro do Afeganistão, de modo que o sistema de distribuição, que fora suspenso logo que os bombardeios começaram, está prejudicado. A ajuda internacional foi restabelecida, mas num ritmo bem mais lento, enquanto as agências humanitárias denunciavam com veemência que os pacotes de alimentos lançados por aviões norte-americanos eram meros instrumentos de propaganda que provavelmente estavam fazendo mais mal do que bem. Estou agora citando o London Financial Times. Após a primeira semana de bombardeios, The New York Times noticiou numa página interna, no meio de uma coluna sobre outro assunto, que segundo cálculos das Nações Unidas haveria em breve 7,5 milhões de afegãos sofrendo necessidades desesperadoras, sem terem sequer pão para comer. Em algumas poucas semanas começaria o severo Inverno afegão, tornando a entrega e distribuição de víveres praticamente impossível em muitas áreas. Além disso, e continuo citando, com bombas caindo em toda a parte, o ritmo das entregas caíra para metade do que seria necessário. Tudo isso num comentário informal”.
A efectivação da maior protecção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana, que ao mesmo tempo não pode ser tratada de forma isolada, sob pena nem sequer compreender o problema na sua real dimensão. “Só nesse contexto é que podemos aproximar-nos do problema dos direitos com sentido de realismo. Não podemos ser pessimistas a ponto de nos abandonarmos ao desespero, mas também não devemos ser tão optimistas que nos tornemos presunçosos” (Bobbio, 1992, p. 45).
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