Sunday, March 26, 2006
Pensar assim
Andre Verissimo
O Pensamento de Nietzsche, em conformidade com todo o pensamento do Ocidente é metafísica. Como diz o filósofo alemão Heidegger (2000) “a metafisica é a verdade do ente enquanto tal na sua totalidade”. [ A metafísica, enquanto verdade do ente pertence ao ser, e não é nunca em primeiro lugar a visão e o juízo de um ser humano, nunca somente um edifício doutrinal e a expressão da sua época. Tudo isto também o é, mas também como consequência posterior e na sua face externa. O modo, em contrapartida, no qual quem está avocado a salvaguardar a verdade no pensar assume a rara disposição, fundamentação, comunicação e preservação da verdade no antecipador projecto existencial-extático, delimita o que se chamará a posição metafísica fundamental de um pensador. ] (Heidegger,2000)
O sujeito filosófico surpreende-se assim cativo da gesta do ser que o avoca na representação ou no nome, no signo do que Heidegger diz que pertence à história do ser mesmo com o nome de um pensador. Isto quer dizer que a posse ou característica distintiva desses pensadores como personalidade da criação cultural é a denominação do que os pensadores são na medida em que a verdade do ser se lhes confiou para que digam o ser, quer dizer, no interior da metafísica, o ser do ente. ( Cfr. M. Heidegger, 2000). Todo o sistema metafísico é, desde a perspectiva hermenêutica, a expressão de uma concepção violenta do ser, posto que assenta num princípio absoluto e fundamentador –archè - cuja função é homóloga da que possui “D-us” nas diferentes religiões. A filosofia enquanto metafísica é a busca desse fundamento último. Segundo Heidegger, o pathos próprio da filosofia é o assombro, que enquanto arché, não determinou só o início, mas o que domina todo o seu curso.”El asombro es así la dis-posición en la que y para la que, se abre al Ser del ente” (Heidegger, M., Qué es eso de filosofía? :65). Assombro e amor são do mesmo modo fundamentos, porém não possuem a violência do fundamento metafísico, mas como conotações por excelencia do ab-grund heideggeriano. Em termos rortyanos seria tal consigna uma conversação contínua e mais além do fundamento silenciante do nada e do egoísmo, na medida em que a interpretação é a figura da continuidade. “A ética hermenenêutica da continuidade é, pois, o postulado para colocar as experiencias isoladas dentro de uma rede de conexões que parece orientada no sentido da dissolução do ser, quer dizer, da redução da imposição da presença.” (Váttimo, G., 1995:82). Esta espécie de contaminação entre hermenêutica e religião entre o nihilismo e a encarnação tem matizes complexos na sua semântica. A experiência hermenêutica contamina, suja, tocando, também a crença na idade post-metafísica, secularizando o acto de acreditar. Vattimo exprime esta fé secularizada e contaminada na figura do meio crente. Em Credere di credere define o cristão post-metafísico como uma espécie de “anarquista não violento”, um “desconstrutor irónico” de toda a ordem que se queira única. ( Rorty, R., 1991:28 e ss. Quando os centros caem, quando os fundamentos já nada sustêm, quando D-us, deixa de ser o referente de todo o pensamento e da acção, as palavras começam a apodrecer na boca como fungos amargos de que falava Hofmannsthal. (W. LANGENBUCHER, 1969 : 220-228). Que fazer com a linguagem quando morre o D-us-gramática? Onde ir buscar a “fonte de sentido” – se é que continuam importando os sentidos umas vez desaparecido o fundamento? O mesmo sentido de amor humano integral vemos, por exemplo, em António Joaquim Oliveira em O Teu Nome (Folio Ed, 2006, p. 65) : - As Palavras não estão gastas: (...) “O meu amor não escreve palavras submissas pelo pudor/O meu amor escreve palavras a transbordar incêndios/ espasmos que sobrevivem na base do amor/ O meu amor não escreve palavras de água a correr/ o meu amor escreve o olhar nítido da perfeição/ que trespassa pontes depuradas de medos”.
A caracterização Nietzscheana de monotono-teísmo dos sistemas metafísico-morais tende a pôr em evidência a necessidade humana de gerar arquitecturas conceptuais nas quais um princípio cumpra as funções de archè ( fundamento) de pensar télos (fim) da acção e instaure um nómos (lei) que reja a casa (oikos) do saber de maneira unilateral (quer dizer, com uma economia unidimensional, que sempre parte de e remonta a D-us-fundamento ( Schürmann, R., 1982: 11 e ss. ). O fundamento legitima a linguagem; a linguagem, que se configura como a mediação entre tal fundamento e o mundo: o meio humano para expressar o digno de ser dito. Na medida em que tudo dever ser reconduzido ao fundamento, a dispersão o jogo e a multiplicidade das formas simbólicas, cumpre-se. E uma das formas de conjugá-la, evitando a queda na desagregação que distancia do centro, consiste em adjudicar às forças dispersantes o carácter de formas corruptas de acesso ou expressão do D-us-Fundamento. De modo que a metáfora, os símbolos, os produtos imaginativos, sejam considerados como excedências de sentido que devem ser traduzidas ou reconduzidas ao âmbito da unicidade de sentido e da racionalidade. A ruptura do fundamento é semelhante desse féretro que sonhou Zaratustra, quando era guardião do castelo da morte: desde os ataúdes de cristal a vida olhava vencida até que um vento forte arrasou com eles, e emergiram crianças, risos, borboletas, anjos,... Haverá que pôr algo em lugar dos velhos fundamentos, ou haverá que deixar o terreno vazio, deserto de desertos, por um tempo? D-us-fundamento morreu e continuamos abrigando os seus as meta-valorações, perdido o ambiente religioso... Secularizamos princípios e transformamo-los em estandartes dos nossos novos ideais, geramos transmundos que não parecem tais porque alimentam ideias modernas: razão, história, progresso, e D-us-sombra continua aleteando/passeando sobre eles.
A tradição irracionalista é sem dúvida menos contínua que a que assenta na tradição racional-cartesiana. A virulência de tal suposto tem em Nietzsche um apologista extraordinário. Apesar do carácter fragmentário Nietzsche assume a veia sarcática e radical. Mantendo o carácter puramente fenoménico igualmente do mundo interior, tudo o que nos faz consciente, é de um extremo a outro, previamente regulado, simplificado, esquematizado, interpretado – o processo real da “ percepção interna”, o encadeamento causal entre os pensamentos, os sentimentos, as aparências, com o que há entre o sujeito e o objecto, ocultam-se-nos absolutamente.
O Pensamento de Nietzsche, em conformidade com todo o pensamento do Ocidente é metafísica. Como diz o filósofo alemão Heidegger (2000) “a metafisica é a verdade do ente enquanto tal na sua totalidade”. [ A metafísica, enquanto verdade do ente pertence ao ser, e não é nunca em primeiro lugar a visão e o juízo de um ser humano, nunca somente um edifício doutrinal e a expressão da sua época. Tudo isto também o é, mas também como consequência posterior e na sua face externa. O modo, em contrapartida, no qual quem está avocado a salvaguardar a verdade no pensar assume a rara disposição, fundamentação, comunicação e preservação da verdade no antecipador projecto existencial-extático, delimita o que se chamará a posição metafísica fundamental de um pensador. ] (Heidegger,2000)
O sujeito filosófico surpreende-se assim cativo da gesta do ser que o avoca na representação ou no nome, no signo do que Heidegger diz que pertence à história do ser mesmo com o nome de um pensador. Isto quer dizer que a posse ou característica distintiva desses pensadores como personalidade da criação cultural é a denominação do que os pensadores são na medida em que a verdade do ser se lhes confiou para que digam o ser, quer dizer, no interior da metafísica, o ser do ente. ( Cfr. M. Heidegger, 2000). Todo o sistema metafísico é, desde a perspectiva hermenêutica, a expressão de uma concepção violenta do ser, posto que assenta num princípio absoluto e fundamentador –archè - cuja função é homóloga da que possui “D-us” nas diferentes religiões. A filosofia enquanto metafísica é a busca desse fundamento último. Segundo Heidegger, o pathos próprio da filosofia é o assombro, que enquanto arché, não determinou só o início, mas o que domina todo o seu curso.”El asombro es así la dis-posición en la que y para la que, se abre al Ser del ente” (Heidegger, M., Qué es eso de filosofía? :65). Assombro e amor são do mesmo modo fundamentos, porém não possuem a violência do fundamento metafísico, mas como conotações por excelencia do ab-grund heideggeriano. Em termos rortyanos seria tal consigna uma conversação contínua e mais além do fundamento silenciante do nada e do egoísmo, na medida em que a interpretação é a figura da continuidade. “A ética hermenenêutica da continuidade é, pois, o postulado para colocar as experiencias isoladas dentro de uma rede de conexões que parece orientada no sentido da dissolução do ser, quer dizer, da redução da imposição da presença.” (Váttimo, G., 1995:82). Esta espécie de contaminação entre hermenêutica e religião entre o nihilismo e a encarnação tem matizes complexos na sua semântica. A experiência hermenêutica contamina, suja, tocando, também a crença na idade post-metafísica, secularizando o acto de acreditar. Vattimo exprime esta fé secularizada e contaminada na figura do meio crente. Em Credere di credere define o cristão post-metafísico como uma espécie de “anarquista não violento”, um “desconstrutor irónico” de toda a ordem que se queira única. ( Rorty, R., 1991:28 e ss. Quando os centros caem, quando os fundamentos já nada sustêm, quando D-us, deixa de ser o referente de todo o pensamento e da acção, as palavras começam a apodrecer na boca como fungos amargos de que falava Hofmannsthal. (W. LANGENBUCHER, 1969 : 220-228). Que fazer com a linguagem quando morre o D-us-gramática? Onde ir buscar a “fonte de sentido” – se é que continuam importando os sentidos umas vez desaparecido o fundamento? O mesmo sentido de amor humano integral vemos, por exemplo, em António Joaquim Oliveira em O Teu Nome (Folio Ed, 2006, p. 65) : - As Palavras não estão gastas: (...) “O meu amor não escreve palavras submissas pelo pudor/O meu amor escreve palavras a transbordar incêndios/ espasmos que sobrevivem na base do amor/ O meu amor não escreve palavras de água a correr/ o meu amor escreve o olhar nítido da perfeição/ que trespassa pontes depuradas de medos”.
A caracterização Nietzscheana de monotono-teísmo dos sistemas metafísico-morais tende a pôr em evidência a necessidade humana de gerar arquitecturas conceptuais nas quais um princípio cumpra as funções de archè ( fundamento) de pensar télos (fim) da acção e instaure um nómos (lei) que reja a casa (oikos) do saber de maneira unilateral (quer dizer, com uma economia unidimensional, que sempre parte de e remonta a D-us-fundamento ( Schürmann, R., 1982: 11 e ss. ). O fundamento legitima a linguagem; a linguagem, que se configura como a mediação entre tal fundamento e o mundo: o meio humano para expressar o digno de ser dito. Na medida em que tudo dever ser reconduzido ao fundamento, a dispersão o jogo e a multiplicidade das formas simbólicas, cumpre-se. E uma das formas de conjugá-la, evitando a queda na desagregação que distancia do centro, consiste em adjudicar às forças dispersantes o carácter de formas corruptas de acesso ou expressão do D-us-Fundamento. De modo que a metáfora, os símbolos, os produtos imaginativos, sejam considerados como excedências de sentido que devem ser traduzidas ou reconduzidas ao âmbito da unicidade de sentido e da racionalidade. A ruptura do fundamento é semelhante desse féretro que sonhou Zaratustra, quando era guardião do castelo da morte: desde os ataúdes de cristal a vida olhava vencida até que um vento forte arrasou com eles, e emergiram crianças, risos, borboletas, anjos,... Haverá que pôr algo em lugar dos velhos fundamentos, ou haverá que deixar o terreno vazio, deserto de desertos, por um tempo? D-us-fundamento morreu e continuamos abrigando os seus as meta-valorações, perdido o ambiente religioso... Secularizamos princípios e transformamo-los em estandartes dos nossos novos ideais, geramos transmundos que não parecem tais porque alimentam ideias modernas: razão, história, progresso, e D-us-sombra continua aleteando/passeando sobre eles.
A tradição irracionalista é sem dúvida menos contínua que a que assenta na tradição racional-cartesiana. A virulência de tal suposto tem em Nietzsche um apologista extraordinário. Apesar do carácter fragmentário Nietzsche assume a veia sarcática e radical. Mantendo o carácter puramente fenoménico igualmente do mundo interior, tudo o que nos faz consciente, é de um extremo a outro, previamente regulado, simplificado, esquematizado, interpretado – o processo real da “ percepção interna”, o encadeamento causal entre os pensamentos, os sentimentos, as aparências, com o que há entre o sujeito e o objecto, ocultam-se-nos absolutamente.